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Adriana Mendes

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Fachada imponente esconde realidade cruel no Hospital Adauto Botelho

A área está cercada por tapumes, mas o que chama a atenção é a fachada imponente e espelhada, com uma porta de entrada automática. Quem passa por ali mal reconhece o antigo hospital psiquiátrico Adauto Botelho, agora parte do Centro Integrado de Assistência Psicossocial (Ciaps) em Cuiabá. Contudo, na parte dos fundos do prédio, onde ainda se encontram os pacientes internados, a realidade é bem diferente.

Uma placa no local informa que a retomada da reforma e ampliação do Ciaps está orçada em R$ 14,1 milhões, com início em 2020 e previsão de conclusão no segundo semestre de 2025. No Adauto Botelho, a maioria dos internados é formada por psicóticos – esquizofrênicos e bipolares, que, segundo médicos, ainda estão presos ao “antigo modelo manicomial”. Em março deste ano, um paciente que estava internado há 20 anos foi transferido para uma residência terapêutica do município de Cuiabá. No entanto, essas vagas surgem apenas quando um residente morre ou quando a família os acolhe, o que é raro.

Na primeira fase da reforma, a ala administrativa ganhou novas salas, bem equipadas e com muitas cadeiras executivas sem uso. O espaço está bem refrigerado e repleto de computadores, salas ainda pouco utilizadas, o que surpreendeu integrantes da equipe. Há também uma área pronta para receber novos pacientes, com 14 leitos para casos agudos que aguardam vaga para internação prolongada.

O problema não está na reforma em si, mas no que não é mostrado aos visitantes. Nos fundos, estão os excluídos que deveriam ter sido priorizados com um novo ambiente e modelo de atendimento. Longe do olhar público, os pacientes psiquiátricos foram transferidos no início do ano para a antiga ala administrativa, onde grades e cadeados os separam do posto de enfermagem. Esta área insalubre já causou surtos de infecção por fungo na pele dos internos. Além disso, o período máximo no hospital deveria ser de seis meses, mas há pacientes que estão internados há dois anos.

A Secretaria de Estado de Saúde (SES-MT) informou que a obra começou pela ala administrativa devido à “falta de um espaço adequado para o setor”. No entanto, funcionários relataram que não houve consulta sobre o projeto nem discussão de medidas para amenizar o sofrimento dos pacientes.

Enquanto isso, internos permanecem trancados em uma área com 20 leitos masculinos e 20 femininos. Os banheiros coletivos têm azulejos descascados. Muitos pacientes passam o dia na cama ou assistindo televisão. A equipe multidisciplinar carece de terapeutas ocupacionais, e a sala dos médicos tem uma cortina improvisada de TNT na janela. Além disso, são apenas três médicos efetivos para o Ciaps.

Especialistas que conhecem a realidade do hospital afirmam que o modelo manicomial tem uma lógica excludente. Os ambientes são estéreis e, nesse cenário, os pacientes ficam sem movimento, causando também o empobrecimento e esvaziamento da linguagem.

Quando familiares visitam os pacientes, dispõem apenas de um banco debaixo de uma árvore, um espaço inadequado para o convívio social. “A impressão que tenho é que as pessoas lá foram colocadas em uma lata de lixo, fora da visão da sociedade, porque são um incômodo. Mas o ser humano precisa ser enxergado”, desabafou uma visitante. O site da Secretaria de Saúde aponta uma série de ações de atividades terapêuticas coletivas que não são realizadas.

Um grupo de dez pacientes em conflito com a Justiça está em uma ala separada. No entanto, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou que todos compartilhem o mesmo espaço, o que só deve ocorrer após a conclusão das obras.

A unidade hospitalar, que deveria promover e atender a saúde mental de pessoas com transtornos mentais severos, vive uma realidade muito distante da preconizada. É preciso falar mais sobre atendimento à saúde mental. Um relatório da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) aponta que o tema deve estar no topo da agenda política pós-Covid-19.

No Adauto Botelho os internos deveriam ser a prioridade. Por que não começaram a reforma pela ala dos pacientes, que se encontra em condições precárias? Apenas neste ano a antiga enfermaria foi destruída e dado início ao novo setor. Mas, ao que parece, a fachada é essencial para o atual governo.

 

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