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Sônia Zaramella

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Relatos e fatos, pessoais ou não, do passado e do presente de Cuiabá e de Mato Grosso.

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100 anos de Álvaro Alfaiate, líder operário e vereador cuiabano

Se vivo estivesse, meu pai Álvaro Benedito Duarte, o Álvaro Alfaiate, teria feito 100 anos segunda-feira, dia 11, daí que aproveito o centenário dele para reviver o legado que deixou para a vida sindical e política de Cuiabá. O que me alertou para isso foi um dito popular atribuído ao escritor mato-grossense Estevão de Mendonça, segundo o qual “quem morre em Cuiabá morre duas vezes; morre de morte morrida e morre pelo esquecimento”. Logo, perante esse risco, reitero, agora por meios digitais, que Álvaro Alfaiate foi um corajoso líder operário e um vereador de Cuiabá de valor, apesar de não batizar sequer uma rua da cidade.

Até o santo mais popular da capital (São Benedito) papai carregou no seu nome, uma prova de devoção e fé da mãe Almerinda. Se São Benedito foi um operário da cozinha, meu pai Álvaro foi da alfaiataria. Sua oficina ficava na rua do Meio, atual Ricardo Franco, que, nos anos 1950 e 1960, reunia os alfaiates conceituados de Cuiabá, entre eles Antônio Armindo Pedroso Dias (Pedroso Alfaiate) e Apolônio de Souza (Alfaiataria Capitólio). Na prateleira da alfaiataria de papai só tecidos de primeira: linho York street s-120 e casimira inglesa de várias tonalidades. Na época, o comércio de tecidos da capital contava com a Casa do Linho Puro, Casa São Luiz, Casa Alberto e Casa Haddad.

Álvaro Alfaiate vestiu naqueles anos os homens elegantes de Cuiabá, como Sebastião Zeferino de Paula, Renato Pimenta, Gervásio Leite, Lenine Póvoas, Clóvis de Mello e Garcia Neto. Um de seus fiéis clientes, o professor Ranulpho Paes de Barros, criou, no programa Atualidades Esportivas que apresentava na Rádio A Voz do Oeste, o célebre jargão: “Vestir bem, impecavelmente, só com Álvaro Alfaiate, o mágico da tesoura em Cuiabá”. Já uma figura carismática e agregadora no meio do operariado cuiabano (alfaiates, marceneiros, pedreiros, pintores, cabeleireiros), a propaganda via rádio espalhou o nome de papai na cidade.

Essa popularidade o levou à presidência do Centro Operário de Cuiabá, função que exerceu por mais de 10 anos consecutivos, por eleição, e à vereança nas 5ª e 6ª legislaturas da Câmara Municipal de Cuiabá, no período de 1959 a 1967, também por eleição. Foi um vereador estimado e um líder do operariado. Evaldo Duarte de Barros, sobrinho que, bem jovem, acompanhou as ações políticas e sindicais do seu tio Álvaro, conta que, no Centro Operário, ele “promovia uma vida mais decente aos colegas operários”. Na sede da entidade, na rua Barão de Melgaço, funcionava escola primária, ocorriam as reuniões semanais e o 1º de maio era comemorado.

Oferecia ainda assistência jurídica e médica gratuita aos associados, com Clóvis de Mello e Farid Seror, duas das maiores expressões, à época, da advocacia e medicina de Mato Grosso, respectivamente. As orientações trabalhistas ficavam a cargo do advogado Benedito Sant’Ana da Silva Freire. Meu pai era da União Democrática Nacional (UDN), então os udenistas compareciam em massa às realizações do Centro Operário. Também por isso uma das mais expressivas visitas políticas que a entidade recebeu foi a do ex-governador carioca Carlos Lacerda.

Passando por Cuiabá, nos anos 1960, como candidato da UDN à presidência da República, Lacerda visitou a sede do Centro Operário, ocasião em que fez um pronunciamento sobre suas bandeiras de campanha. Os associados e políticos de todas as siglas partidárias participaram do evento e a população pode acompanhar via transmissão radiofônica. O ex-governador abandonou a candidatura pelo Ato Institucional no 2, de 1965, que acabou com a eleição direta para presidente da República. Quanto a papai, seguiu exercendo sua função de parlamentar municipal, vestindo fielmente a camisa de Cuiabá, cidade que defendia acima de tudo.

Essa mesma linha de respeito ele mantinha no Centro Operário, onde tinha adversários, todos com direito a voz. Evaldo, que é procurador de Justiça de Mato Grosso aposentado, cita, entre os oposicionistas na entidade, José Miguel, Silva Freire, Amorésio de Oliveira, José Anibal Bouret e Ronaldo de Arruda Castro. Conforme declara, o nome de Álvaro Alfaiate e do Centro Operário de Cuiabá fazem parte da história do sindicalismo local pelo pioneirismo e devem ser preservados por sindicatos e associações, como forma de conferir identidade cuiabana às entidades. “Apesar de ser dono de alfaiataria, ele sempre se considerou operário, ele se apresentava e agia como operário”, recorda.

O primo Evaldo Duarte de Barros, que também foi vereador de Cuiabá, bem como seu irmão Gilson Duarte de Barros, tem toda gratidão da família por ter participado dessa parte intensa e rica da vida de papai, guardá-la na memória e dividi-la conosco. Meu pai Álvaro morreu aos 66 anos, em 1990, como Fiscal de Tributos do Estado, cargo conquistado por concurso público que o fez abandonar a alfaiataria e a política. Foi casado por 40 anos com minha mãe Nelly, falecida em 2019. Somos três filhos deles, Vera, Sônia e Álvaro Filho.

O legado deixado para nós é vasto, indo das lembranças das terças-feiras que nos acordava para acompanhá-lo à missa das 4h de São Benedito, na Igreja do Rosário, às festas do Centro Operário e às aventuras das campanhas eleitorais. Recordamos também seu hábito de comprar e ler jornal impresso todos os dias e as suas paixões no futebol – o Botafogo e o Dom Bosco. Da quantidade de compadres que tinha na cidade, dos amigos do bairro Mundéu, do truco que jogava com Clóvis de Mello, Joaquim Lobo e Wilson Padilha e da canastra com Egydio Souza Neves, Tenente Euclides, Nezo e Neide Bastos Silva, e Nonô e Luiza Camargo.

Papai também adorava pescaria e cerveja, bastante cerveja. Sobretudo foi exemplo de um homem correto, idôneo e de bem com a vida. Tem a eterna saudade dos filhos, genros, netos e bisnetos. Parabéns pelos 100 anos, papai, comemore aí, no céu, com mamãe e seu neto Bruno. Continuamos por aqui, acreditando que “escrever nossas histórias é o melhor caminho para mostrar quem somos nós”.

 

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