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N’zo Nvanju, ancestralidade viva no coração de Cuiabá

 

Por Fátima Lessa

Instalado há cerca de um ano no centro histórico de Cuiabá, o N’zo Nvanju ocupa um antigo casarão tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), na rua Pedro Celestino, nº 391. Mais do que um espaço físico, o N’zo representa um território de resistência, fé, cultura e identidade para a população negra e para todos que reconhecem a força das tradições de matriz africana.

Conforme dicionário bantu-kikongo e referências de casas tradicionais de candomblé de nação Angola, “N’zo” é uma palavra da língua kikongo que significa “casa” ou “morada”. “Nvanju” pode ser traduzido como “força”, “proteção” ou “luz ancestral”. Juntas, as palavras formam a expressão N’zo Nvanju, que pode ser compreendida como “Casa da Força”, “Casa de Proteção” ou “Casa da Luz”, uma morada espiritual guiada pela ancestralidade e pelos saberes sagrados de matriz africana. Na Pedro Celestino, é usada a definição: “Casa de Proteção”.

A organização religiosa cultural de culto afro-brasileiro N’zo Nvanju, terreiro de Umbanda Vovó Chica da Guiné, é conduzida por Mametu Synavanju (Viviane Góes). Para ela, o N’zo é parte viva de um legado ancestral que atravessa gerações. “É a continuidade da luta pela nossa ancestralidade, pela afirmação de quem somos. Aqui se cultua a memória, o pertencimento e a força dos nossos ancestrais”, afirma.

Desde sua fundação, o espaço tem se destacado por unir espiritualidade e ação social. Já promoveu oficinas, cursos e encontros abertos à comunidade. Um dos destaques foi a oficina de fabricação de tijolos de adobe, técnica ancestral de construção sustentável que resgata saberes tradicionais ligados à terra e à história das construções do centro histórico de Cuiabá.

Além da valorização dos saberes tradicionais, o espaço também está atento às desigualdades sociais e educacionais. Assim, realiza, aos sábados, o Cursinho Popular “Podemos Mais – Mãe Bonifácia”, voltado a jovens e adultos em situação de vulnerabilidade. O projeto oferece apoio gratuito na preparação para vestibulares e concursos, conectando educação e cidadania com o fortalecimento da autoestima e da identidade. A iniciativa é um exemplo de como espiritualidade e transformação social caminham juntas.

Às terças-feiras, o terreiro de Umbanda Vovó Chica da Guiné realiza giras com pretos e pretas-velhas, oferecendo acolhimento e orientação espiritual. “Todos os encontros seguem fundamentos religiosos e são realizados com respeito, cuidado e abertura para quem deseja conhecer ou fortalecer sua fé”, diz Viviane.

Ocupação simbólica

A presença do N’zo Nvanju no centro da capital rompe com uma lógica histórica de marginalização. Em Cuiabá, como em muitas cidades brasileiras, a maioria dos terreiros de religiões afro-brasileiras está localizada nas periferias ou em áreas rurais, muitas vezes forçados a ocupar os limites da cidade.

O fato de o N’zo ter se instalado em pleno centro histórico, em um imóvel tombado pelo Iphan, é mais que uma conquista. É um gesto ousado de pertencimento. “É um território sagrado no coração da cidade. Viemos para sacudir as estruturas”, afirma Mametu Synavanju.

Intolerância e resistência

Chegar e se instalar, no entanto, não foi uma tarefa fácil. Moradores da redondeza tentaram intimidá-la, ameaçando com um abaixo-assinado pela expulsão. “Vieram aqui na minha porta falando que iriam fazer um abaixo-assinado porque o centro histórico não é lugar de uma casa de macumba”, contou ela.

Em resposta, exigiu que o documento viesse com o nome e telefone de cada pessoa que assinasse, avisando que “processaria todos por intolerância religiosa”. O abaixo-assinado não chegou.

Viviane Góes salienta que o N’zo Nvanju não é apenas um espaço religioso. Segundo ela, “é um quilombo urbano, uma trincheira de saber, afeto e resistência”. Ao ocupar o centro histórico de Cuiabá, observa, “também reposiciona a narrativa sobre o território, lembrando que a história da cidade não pode ser contada sem reconhecer a presença, a dor e a força do povo negro”.

Viviane projeta novos passos: “Em breve, desenvolveremos projetos de teatro, dança e música para crianças, com base na cultura afro-brasileira e mato-grossense”, diz ela, reafirmando o papel do N’zo como espaço vivo de educação e resistência.

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