Eu conto ou vocês contam…
Não sei se é o cansaço, porque o fim de ano já se aproxima, ou falta de educação mesmo, mas o fato é que o uso da linguagem chula (de baixo calão) entre os agentes públicos aqui por nossas bandas está a todo vapor.
Em episódios recentes, uma vereadora rotulou a discussão no plenário da Câmara de Cuiabá de ‘putaria’, um outro vereador cuiabano, em novo dia e momento, chamou o colega de ‘bosta’, e o ‘gentil’ governador de MT, ao reagir a críticas, exclamou que tem gente falando ‘merda’ por aí.
Na capital, a estreia da temporada de pessoas notórias e de políticos servirem-se de palavrões em eventos públicos, em lugares restritos ou amplos, ocorreu em abril passado. Foi por ocasião de uma exposição agropecuária tradicional na cidade.
Um famoso locutor usou o microfone, no rodeio, para dizer “aqui é Bolsonaro, porra! E eu quero mandar um alô para a galera da esquerda: vá à puta que pariu”. No lançamento do evento, discursando, o prefeito de Cuiabá depreciou o ministro Carlos Fávaro ao dizer que “ser ministro da Agricultura de um governo petista é a mesma coisa que bosta”.
Meses à frente, em agosto, o gestor cuiabano, referindo-se à educação pública, chamou a UFMT de ‘bosta’, repetindo o uso do termo que significa excremento, fezes, cocô, esterco, estrume. No sentido figurado, pode ser mudado para ‘porcaria’.
Eu conto ou vocês contam a essas personalidades que valer-se de palavras e expressões consideradas grosseiras, ofensivas ou vulgares é inconcebível para contextos em geral, com plateia ou não, em conversas com a imprensa ou não. Principalmente por parte de agentes públicos.
Usar palavrões nas falas e nos discursos pode demonstrar falta de decoro (se o personagem é político com mandato), de baixa qualificação (no sentido de preparo para atuação política) ou de civilidade (respeito, consideração), entre outras características.
Daí que, para mim, a linguagem chula é reprovável e desconfortável. E não se trata de preciosismo (muita delicadeza, refinamento) nem de conservadorismo. Minimamente, o que se deseja é um simples padrão de conduta permeado de boas maneiras no trato em geral.
Em conversa com a coluna, o professor e pesquisador Thiago Cury, do programa de pós-graduação em Comunicação da UFMT, disse que, no seu ponto de vista, a utilização de tais expressões não é aceitável. “É o tipo de linguagem que não acrescenta qualquer contribuição ao debate público sobre as questões que afligem a sociedade”, afirmou.
Ele pontuou que “não há nisso um julgamento moral sobre esta ou aquela linguagem, e, sim, pragmático, no sentido de que as resoluções de que necessitamos não virão dos palavrões pronunciados”. Completou afirmando que, “ao contrário, muitas vezes escamoteiam os reais problemas do nosso cotidiano, distraindo-nos daquilo que realmente importa”.
Para o jornalista Montezuma Cruz, “uma pessoa pública deve zelar pelo vernáculo, que é rico em sinônimos”. Segundo disse, “políticos com linguagem chula dão a nítida impressão de não terem frequentado boas escolas, ou mesmo, de terem desprezado seus estudos, preferindo a baixaria à civilidade”.
O advogado Mário Olímpio Medeiros Neto igualmente reprova a linguagem chula no discurso político. “A pessoa, quando investida de um cargo, precisa ter a compreensão de que ela representa não só ela, mas a instituição. E a instituição é maior do que qualquer pessoa”, frisou à coluna.
Ele acredita que a utilização dessa linguagem no discurso político “não seja sem querer”, assinalando que “cargos públicos são difíceis de se conquistar, e quem chega a eles chega com estratégia e sabedoria seja lá qual for a sua natureza”.
“Muitas vezes me parece ser uma forma de dialogar com parte da população, que, por motivos diversos, também perdeu o respeito pelo cargo público. Isto encontra certa ressonância popular. Mas o grande problema me parece ser justamente esse, o de confundir o público com o pessoal, seja por parte da população, seja por parte dos agentes públicos”, afirmou Mário Neto.
Certamente há pessoas, entre nós, que não se importam com a utilização de expressões grosseiras ou vulgares partindo de figuras públicas. Há também aqueles cidadãos que não julgam os palavrões ofensivos.
Porém, o uso da linguagem de baixo calão não aparenta ser uma tática inteligente nas esferas pública e política.
Afinal, quando você respeita os outros, respeita a si mesmo.
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