Mosquitos na Islândia simbolizam avanço do aquecimento e desafiam COP 30

Foto: Rafa Neddermeyer/COP30
Três mosquitos de uns 7 milímetros de comprimento – duas fêmeas e um macho – foram retratados com destaque pelo noticiário em todo o mundo nos últimos dias. A façanha do trio foi ser encontrado na Islândia, até então um dos únicos cantos do planeta livre de mosquitos. Mais que uma curiosidade, o achado para a ciência é um alerta de que a temperatura tem subido a níveis que estão mexendo com o equilíbrio ambiental e, na Islândia, o ritmo desse aumento tem sido quatro vezes maior que a média do hemisfério norte.
Às vésperas da COP 30 de Belém, essa notícia só engrossa a já enorme lista de razões para enfrentar a crise climática e seus sinais claros da urgência que surgem um atrás do outro. Mas pelo posicionamento dos líderes mundiais, talvez a oportunidade de reação esperada na conferência da ONU seja tímida diante do tamanho do desafio. Até agora o cenário é de baixa ambição das NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas); pouca clareza em relação à transição energética com redução até a eliminação dos combustíveis fósseis; financiamento climático pífio e descompromisso com a proteção de florestas.
A avaliação do Observatório do Clima é que, mesmo que o mundo tenha acabado de viver os dois anos mais quentes da história, “o clima desceu a ladeira das prioridades da agenda global” e que o cenário da COP não se mostra animador para a defesa do meio ambiente e um dos exemplos é “um recuo generalizado dos países em relação à eliminação gradual dos combustíveis fósseis”.
Por nosso lado, o governo brasileiro busca a liderança mundial na transição energética e, ao mesmo tempo, investe na prospecção de petróleo no bloco bacia Foz do Amazonas (FZA-M-59), na Margem Equatorial brasileira. Na semana passada, tão logo saiu a licença de operação do Ibama, a Petrobras começou as perfurações com o navio sonda ODN II a mais de 170 km da costa do Amapá. O navio foi contratado até março de 2026, com opção de prorrogação por mais três meses.
Para contrapor esta decisão do governo, ONGs ambientalistas e redes de movimentos indígena, quilombola e de pescadores artesanais entraram com uma ação na Justiça Federal no Pará contra a União, Petrobras e Ibama pedindo a anulação desse licenciamento. Entre os argumentos estão a falta de consulta livre e prévia aos povos tradicionais afetados, a desconsideração dos impactos climáticos do projeto e ainda falhas na modelagem do estudo que, segundo a ação, põe em risco a biodiversidade.
O Ministério Público Federal também entrou com recurso no Tribunal Regional Federal da 1ª Região para tentar barrar a homologação do leilão de 19 blocos exploratórios de petróleo e gás na Bacia da Foz do Amazonas. Alega que a região é ambientalmente sensível e pede a proibição imediata de licenciamento pelo Ibama para esses blocos arrematados, sem que tenha havido previamente as ações e os estudos necessários.
Do ponto de vista ambiental, a descoberta dos três exemplares de mosquito da espécie Culiseta annulata na Islândia foi recebida com muita preocupação por cientistas e ativistas ambientais, é vista como a queda de uma última barreira simbólica. A espécie, que sobrevive em climas mais frios, não é perigosa para as pessoas porque não é vetor de doenças infecciosas.
Em geral, a temperatura ideal para esses insetos varia entre 26 °C e 28 °C, o que não quer dizer, porém, que não sobrevivam ao frio. Em temperaturas baixas, um dos mecanismos usados é a hibernação, com os ovos eclodindo quando volta o calor. Em climas temperados o número de espécies é reduzido. Por exemplo, só há dois tipos de mosquitos na Groenlândia e 28 na Noruega e na Grã-Bretanha.
Na Islândia os verões são frescos e curtos, com máximas entre 10°C e 14°C, e os invernos registram mínimas entre -3 °C e 0°C. A instabilidade é a marca do clima do país, com variações repentinas de temperatura, gelo e degelo, o que dificulta o mosquito a completar seu ciclo de vida.
Um estudo do World Weather Attribution revelou que, em maio deste ano, uma onda de calor extrema, intensificada em 3°C, atingiu a Groenlândia e a Islândia, o que acelerou o derretimento da camada de gelo da Groenlândia. Em partes da Islândia as temperaturas ficaram mais de 10°C acima da média e foi registrado um recorde histórico de 26,6°C em Egilsstadir, cidadezinha no leste da ilha. Agora, os cientistas vão monitorar a situação para ver se o mosquito vai se disseminar e qual a relação da incidência com as variações climáticas.
Quem estiver em posição de decisão na COP 30 não poderá se manter alheio à presença incômoda desse mosquito a 6.700 km de Belém ou aos extremos climáticos visíveis, como o derretimento de geleiras, a subida do nível do mar, secas, desertificação e inundações.
Sobre o anfitrião Brasil, os olhos estarão muito atentos à ambiguidade de um governo que investe pesado na pesquisa de combustíveis fósseis e se destaca pela política de investimento em biocombustíveis. Já se sabe, inclusive, que o país pode dobrar a produção e o consumo de biocombustíveis até 2050, sem desrespeitar as exigências socioambientais e sem provocar novos desmatamentos.
O que também terá muito peso na COP será a voz da sociedade não institucionalizada, das pessoas e grupos que vão cobrar compromissos firmes com a transição energética justa. E a torcida é para que as autoridades não se façam de surdas e se coloquem à altura do desafio de construir uma justiça climática real.
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