Entre birras políticas, vence o retrocesso ambiental

Foto: Carlos Moura/Agência Senado
A decisão foi por ampla maioria nas duas casas – Câmara e Senado – para o afrouxamento sem precedentes no processo de licenciamento ambiental no país. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), insatisfeito com o presidente Lula que não indicou o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) para o STF, liderou com o fígado, na semana passada, a apreciação dos vetos do Executivo para impor uma derrota ao presidente. E foram derrubados 52 dos 63 pontos que o governo, apoiado por especialistas, havia considerado inaceitáveis no arcabouço do novo marco de licenciamento. Afinal, o que são o meio ambiente equilibrado, o que resta da Mata Atlântica, os direitos das populações tradicionais diante de um enfezado Davi?
Volta então para a lei o trecho que trata da Mata Atlântica, o bioma mais devastado no Brasil e que tem hoje apenas 12% de floresta madura e preservada. A lei retira do órgão ambiental federal a competência para avaliar o status de conservação do bioma e a sua capacidade para suportar eventuais supressões de vegetação nativa.
O outro trecho restabelecido deixa 297 terras indígenas desprotegidas, na avaliação da Funai, que destacou em nota que o órgão será impedido de participar nos territórios ainda não homologados impactados por processos de licenciamento, mesmo que eles mexam com “territórios de povos tradicionais, suas culturas e modo de vida”. Para o órgão federal, é uma violação dos direitos desses povos.
A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) observou a contradição dessa decisão do Congresso vir logo após a Conferência do Clima da ONU em Belém. Para a entidade, a fragilização do licenciamento ambiental coloca em xeque os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil no enfrentamento da crise climática e que reconheceram que a proteção dos territórios indígenas é essencial para cumprir suas metas climáticas.
Um ponto defendido pelo agro e que foi restabelecido descarta a necessidade de licenciamento para atividades rurais em imóveis cujo registro no Cadastro Ambiental Rural (CAR) ainda esteja pendente de homologação. Vale nota também a blindagem dos bancos que não mais responderão solidariamente por danos ambientais de obras que venham a financiar.
Para o Observatório do Clima, uma das mudanças mais preocupantes é a Licença Ambiental por Adesão e Compromisso (LAC), que será concedida às atividades tanto de pequeno quanto de médio porte e médio potencial poluidor. O interessado deve apenas manifestar o compromisso de obedecer aos requisitos preestabelecidos pela autoridade licenciadora. De caráter autodeclaratório, o documento pede apenas informações como a localização, dimensões e atividade que se pretende desenvolver.
O Observatório calcula que cerca de 90% dos licenciamentos estaduais, que são a maioria dos licenciamentos do país, serão feitos automaticamente, o que vai contra jurisprudência do STF, que já proibiu o autolicenciamento para projetos de médio porte.
Um outro temor é da criação de um emaranhado de legislações desconectadas entre si com a maior autonomia de estados e municípios para definir seus próprios critérios de porte da atividade/empreendimento, potencial poluidor e quais atividades deverão ter licenciamento simplificado por meio da LAC.
Outro tipo de licença, a LAE (Licença Ambiental Especial), para empreendimentos considerados estratégicos pelo governo, é tratada em uma medida provisória que está em análise em comissão especial e que será editada pela Presidência da República. O governo e a oposição entraram em acordo para o sobrestamento (suspensão da tramitação) dessa medida.
Batizado de “PL da Devastação” por ambientalistas, do lado da bancada do agro a opinião é que a lei vai destravar obras e promover o desenvolvimento. Da bancada mato-grossense somente o deputado Emanuelzinho (MDB) votou pela manutenção dos vetos.
Os vetos rejeitados pelo Parlamento vão agora à promulgação. Organizações ambientalistas e o próprio governo federal acenam para a judicialização do tema. Para a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, é um desmonte do arcabouço jurídico que dá coerência ao Sistema Nacional de Meio Ambiente e deixa vulneráveis órgãos como Ibama e ICMBio. Há o entendimento, inclusive, de que há dispositivos que violam a Constituição Federal e que enfraquecem a capacidade do Estado de fiscalizar empreendimentos de médio e alto impacto.
Alcolumbre negou que a derrubada dos vetos tenha sido em razão de uma disputa política. Para ele, o Congresso cumpriu seu papel institucional de dar a palavra final sobre a vigência das leis do país. Ah, tá.
Ele, porém, não fez nada sozinho. Na Câmara, foram 295 votos pela derrubada dos vetos contra 167 pela manutenção. No Senado, foram 52 a 15. O quanto será que os parlamentares que formaram essa maioria folgada estão comprometidos com temas como transição energética justa, emissões, combustíveis fósseis, desmatamento zero? Melhor não perguntar, até porque não é difícil saber a resposta.
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