Justiça barra acordo que reduziria Parque Cristalino e beneficiaria desmatador
Um acordo costurado pelo governo de Mato Grosso e a cúpula do Ministério Público (MPMT) para regularizar fazendas de Antônio José Junqueira Vilela Filho, no Parque Estadual Cristalino II, no Norte do estado, provocou surpresa e indignação entre promotores do próprio MP. Vilela Filho é apontado como “o maior desmatador da Amazônia”, e o documento ignora a complexidade fundiária da região, marcada por disputas de terra, suspeitas de grilagem e a existência de títulos falsos. A pedido da União, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) determinou a paralisação imediata do processo.
O caso é cheio de nuances. Desde 2011, quando foi apresentado o pedido de nulidade da criação da unidade de conservação, o Ministério Público sempre atuou na defesa do parque. Agora, porém, o acordo prevê reduzir a área total de 118 mil para 105 mil hectares. Na prática, a proposta legaliza áreas invadidas, enquanto o grupo empresarial se compromete a manter 5 mil hectares como Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN). Governo e MP tentam apresentar o arranjo como um “ganho ambiental”, sustentando que haveria ampliação da área protegida. Mas quem sai beneficiado é o ocupante irregular, ainda que tenha de pagar R$ 45 milhões, parcelados ao longo dos anos. Mais ganha do que perde.
O interesse da União no caso é direto. A área original do parque foi doada pela União ao governo de Mato Grosso, o Cristalino II integra o Programa Federal de Áreas Protegidas da Amazônia (ARPA) e o governo federal mantém titularidade residual sobre 7.635,8 hectares dentro da gleba. Ou seja, não se trata apenas de um litígio estadual, mas de uma unidade de conservação que envolve responsabilidades federais.
A polêmica também mobilizou entidades da sociedade civil. O Observatório Socioambiental de Mato Grosso (Observa-MT) informou que acompanha o caso com preocupação. Para a organização, o acordo, que ainda não possui menção formal nos autos, apresenta “sérias preocupações sobre vícios estruturais relevantes, tanto na sua formação quanto nos seus potenciais efeitos sobre a integridade do PEC II”.
Internamente, o acordo acentuou o racha no MPMT. A minuta inicial, revelada em reportagem de Lázaro Thor no UOL, indicava que promotores da região assinariam o documento, mas eles afirmaram que se recusaram a fazê-lo. Paralelamente, os promotores Joelson de Campos Maciel e Ana Luiza A. Peterlini de Souza, da 15ª e 16ª Promotorias de Justiça de Defesa do Meio Ambiente da Capital, protocolaram manifestação pedindo para ingressar formalmente no processo, a fim de acompanhar os atos e exercer plenamente suas atribuições institucionais. Eles disseram que não foram avisados sobre as negociações nem sobre o acordo que foi fechado, o que pode tornar o processo inválido e desrespeitar regras básicas sobre como cada promotor deve atuar com autonomia.
No MP, quem conduz as negociações é o promotor Marcelo Vacchiano. Procurado pela coluna, ele afirmou que a minuta divulgada era apenas uma das primeiras versões e que “foram feitas várias versões durante as tratativas”. Ainda assim, não disponibilizou a versão final do acordo, o que reforça a falta de transparência.
É preciso também levar em conta a questão política . Em abril de 2024, durante entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, o governador Mauro Mendes buscou sustentar que o parque teria sido criado de forma irregular. Após a repercussão negativa na imprensa nacional, mudou o discurso e passou a defender uma “solução”, dizendo ter se inteirado de que se tratava de área pública. Pré-candidato ao Senado, Mendes tem interesse eleitoral direto em encerrar o imbróglio.
O mandado de segurança apresentado pela União e a manifestação das promotorias, ambos protocolados dias depois da assinatura do acordo, revelam que a tentativa de pacificar um conflito que dura 25 anos estava sendo concluída em sigilo. A decisão do desembargador Jones Gattass Dias, do TJMT, entende que, antes de qualquer acordo, é preciso avaliar o “interesse jurídico da União”. A medida congela as tratativas, mas não estanca o dano institucional e o jogo de forças.
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