Desigualdade no mercado de trabalho
Como ainda estamos em março, mês dedicado às mulheres, retorno ao tema da desigualdade de gênero, agora com foco no mercado de trabalho. A luta dos movimentos feministas assegurou algumas conquistas importantes nas últimas décadas, mas as mulheres ainda estão longe do lugar que lhes seria de direito, quando se analisa a força de trabalho no Brasil.
Um estudo publicado esta semana no blog do Ibre, da Fundação Getúlio Vargas, com dados e estatísticas, joga mais luz nessa realidade. De autoria dos pesquisadores Isabela Kelly, Claudio Considera, Hildete Pereira de Melo e Roberto Olinto, o estudo traz uma radiografia do mercado de trabalho na última década, com foco na desigualdade de gênero.
Destaco aspectos dessa análise que considero importantes para entender a origem da desigualdade e porque ela persiste. Um deles é o aspecto cultural, aquele que coloca homens e mulheres em “categorias” diferentes, quando se trata do trabalho doméstico, que não é remunerado.
“No caso brasileiro, as estatísticas mostram que a entrada das mulheres no mercado de trabalho não foi acompanhada de uma maior participação dos homens nas tarefas do lar. Isso levou as mulheres a acumularem jornadas de trabalho, tendo que equilibrar seu tempo entre a realização do trabalho remunerado e não remunerado”, destaca o estudo. “Essa sobrecarga feminina, além de atuar como uma barreira à entrada das mulheres na força de trabalho, pode ser vista como central para compreensão de diversas desigualdades”, avaliam os pesquisadores.
A taxa de participação das mulheres no mercado de trabalho é, em média, 20 pontos percentuais inferior à taxa de participação dos homens. A pesquisa mostra que a recessão de 2015-2016 e a pandemia do Covid-19, que começou em 2020, impactaram o mercado em desfavor das mulheres. Na recessão, a diferença de 20 pontos estagnou-se, enquanto que na pandemia aumentou, devido à necessidade de isolamento e dos cuidados com a família. Mais uma vez, a questão cultural está presente, a partir da percepção generalizada na sociedade de que cabe às mulheres, em primeiro lugar, o cuidado com a família.
Outros dados do estudo reforçam essa realidade. O tempo de dedicação ao trabalho total (remunerado e não remunerado) é maior para as mulheres, com diferenças de seis horas em comparação aos homens.
Um fator destacado pelos pesquisadores é que as mulheres estão em maior número entre os desocupados e na força de trabalho potencial – o contingente de pessoas que poderiam ser incorporadas à força de trabalho. O motivo pelo qual as mulheres aptas a trabalhar não foram incorporadas ao mercado de trabalho começou a ser investigado pelo IBGE, a partir de 2016. Mais de 20% das mulheres responderam que era devido às demandas relacionadas aos afazeres e cuidados domésticos. O estudo mostra que cerca de um milhão de mulheres não consegue trabalhar fora por esse motivo.
As mulheres também estão em maior número na subocupação e a diferença salarial entre os gêneros é outro indicador da desigualdade. A pesquisa mostra que as mulheres ganham em média 80% do salário dos homens e essa diferença vem caindo a passos muito lentos. No ritmo atual levaríamos mais de 20 anos para alcançar a igualdade salarial. Ainda mais porque as iniciativas para reduzir essa diferença enfrentam forte resistência dos setores empresariais.
A regulamentação da lei que prevê igualdade salarial entre homens e mulheres nos mesmos cargos e funções, aprovada no Congresso em julho do ano passado e sancionada pelo presidente Lula, virou uma batalha judicial, mostra uma reportagem recente publicada no jornal O Globo.
A iniciativa, já adotada em 35 países, no Brasil está sendo questionada na Justiça por várias empresas e as confederações do comércio e da indústria recorreram ao Supremo Tribunal Federal (STF), alegando que a lei é inconstitucional. As confederações reclamam que a lei desconsidera possíveis diferenças salariais por antiguidade e formação do empregado, que levaria a diferentes níveis salariais dentro do mesmo cargo.
Dados preliminares coletados pelo Ministério do Trabalho apontam que apenas 31% das empresas com mais de cem funcionários têm ação de incentivo à contratação de mulheres e só 39% têm estratégias de promoção por gênero.
Todas essas evidências reforçam as conclusões do estudo da FGV de que a dinâmica do mercado, por si só, não será capaz de corrigir as distorções e assegurar a igualdade entre homens e mulheres na força de trabalho.
Faz-se necessária uma atuação firme do Estado nesse sentido, ampliando a oferta de creches, de escolas em tempo integral e de outros mecanismos que permitam às mulheres conciliar o trabalho fora de casa com o cuidado com os filhos. Também é crucial para que as mulheres ocupem seu espaço de direito no mercado de trabalho a conscientização da sociedade em geral e dos homens, em particular, de que as tarefas domésticas precisam ser compartilhadas, pois não são responsabilidade exclusiva das
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