COLUNA

Francisca Medeiros

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União Europeia adia lei antidesmatamento; o que muda por aqui?

Foto: WWF Brasil/Divulgação

 

A Lei Antidesmatamento da União Europeia, que passaria a valer no fim deste ano, foi adiada. Agora deve entrar em vigor em 30 de dezembro de 2025 para as grandes empresas e 30 junho de 2026 para as pequenas e médias. Produtores, agroindústrias e o governo federal defendem o adiamento, mas ambientalistas temem retrocesso na proteção ambiental.

O objetivo declarado da lei, que faz parte do Acordo Verde Europeu, é assegurar que produtos comprados pela Europa venham de áreas sem desmate após o último dia de 2020 e, assim, evitar que os consumidores do bloco contribuam para a degradação ambiental. Cabe aos fornecedores comprovar esta origem livre de desmatamento e aos compradores a checagem de todos os processos.

A medida trouxe algum alívio para o agro, mas veio acompanhada de outra preocupação para o setor. Na mesma sessão que aprovou a postergação, na semana passada, o Parlamento Europeu aprovou uma emenda que altera a classificação de risco para os países e cria uma nova categoria, a ‘sem risco’ de desmatamento.

Os críticos dizem que os beneficiários desta medida serão os próprios países-membros da UE por uma razão simples: por lá resta pouca vegetação nativa e, portanto, não há risco de desmatar porque não há mais o que ser retirado.

Outro questionamento é sobre o caráter protecionista da medida que privilegia o mercado europeu. O professor da Escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Daniel Vargas, numa análise feita para o Canal Rural, disse que a novidade da área de risco zero de desmatamento pode servir para atender à pressão dos europeus devido ao custo burocrático de implantação da lei antidesmate.

Para ele, se a lei, que teria o objetivo de combater o desmate de forma equivalente em todo o mundo, passa a tratar o europeu com privilégio, deixa o maior peso dos encargos para os países tropicais. É como uma isenção seletiva de algumas áreas do planeta desta espécie de pedágio burocrático da norma.

Na lista das commodities incluídas na lei, agora adiada, estão a cadeia de suprimentos da soja, café, carne bovina, couro, cacau, óleo de palma e borracha.  A estimativa do governo federal é que seriam afetadas 15% das exportações totais brasileiras e 34% dos embarques para a UE.

Como grandes exportadores de commodities, o Brasil, Indonésia e Estados Unidos defenderam o adiamento da lei com o argumento de que os prazos são apertados e ainda falta clareza para sua operacionalização. Os próprios países europeus ainda não têm todos os instrumentos para checar as informações exigidas por eles mesmos. Tanto que os ministérios da Agricultura da Áustria, República Tcheca, Finlândia, Itália, Polônia, Eslováquia, Eslovênia e Suécia também pediram o adiamento.

Outra razão que fez a Europa segurar um pouco o freio é o risco de aumento de preço dos alimentos devido aos custos de implantação dos sistemas para rastreamento e checagem.

A Aprosoja Brasil é uma das entidades que mais trabalharam pelo adiamento da lei, por considerá-la punitiva e desconhecedora da legislação ambiental brasileira, que é uma das mais restritivas do mundo. A entidade promete, inclusive, trabalhar para que ela não seja implementada.

Os especialistas em mercado consideram prudente que este tempo ganho pelo setor produtivo e pelo governo seja usado para uma melhor organização de todos, até para provar que a produção nacional respeita normativas antidesmatamento e tem mecanismos de controle rígidos. E cobram do governo mais agilidade na regularização ambiental, como o Cadastro Ambiental Rural (CAR).

A preocupação dos ambientalistas é com a possibilidade de enfraquecimento da proteção ambiental. Em setembro passado, o Observatório do Clima enviou um comunicado à presidente da Comissão Europeia se posicionando contra o atraso da vigência da lei. Lembrou que o país “tem áreas degradadas em quantidade suficiente para multiplicar a produção agropecuária com mais tecnologia, produtividade e valor agregado, sem necessidade de nenhum desmate.”

Outra preocupação é com o aumento da derrubada de florestas neste próximo ano. Um estudo recente divulgado pela Deutsche Welle diz que no ano passado o mundo perdeu 37 mil quilômetros quadrados de floresta tropical, quase o tamanho da Suíça. E o temor é que, segundo estudos da própria União Europeia, a perda florestal global seja aumentada em cerca de 2,3 mil quilômetros quadrados.

O que merece atenção são exemplos de países em desenvolvimento que conseguiram se adequar à legislação conforme o cronograma original. É o caso de Gana e Costa do Marfim, grandes produtores mundiais de cacau. A Costa do Marfim criou cartões de identificação eletrônicos para agricultores rastrearem as sementes da fazenda até os portos e Gana já mapeou todo o cacau do país, com rastreamento de ponta a ponta da cadeia. Tudo feito em sintonia com as indústrias do setor, como Nestlé e Ferrero, que também investiram para se adequarem à lei.

Mesmo com o adiamento da vigência da lei europeia, e sem desconsiderar a necessidade de ajustes pontuais, o provável é que ela se tornará realidade num horizonte próximo. E a necessidade de comprovar que a produção está alinhada com a preservação ambiental é uma exigência cada vez maior dos consumidores, sejam eles europeus, chineses ou nós, os brasileiros.

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