COLUNA

Francisca Medeiros

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Para além dos memes, visita de Macron rende frutos para a ciência e meio ambiente

Foto: Gov.br

O presidente francês Emmanuel Macron teve três dias intensos no Brasil, entre 26 e 28 de março. Visitou cinco cidades, teve dois encontros com o presidente Lula, encontrou com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, com o ex-jogador Raí e com empresários, inaugurou um submarino e homenageou o cacique Raoni.

Uma agenda diversificada cumprida com muita cordialidade, e uma certa dose de charme, pelos dois presidentes, tanto que inspirou até muitos memes. De concreto, mais de 20 acordos de cooperação foram assinados em áreas como inteligência artificial, direitos humanos, igualdade de gênero, comércio, cooperação militar e meio ambiente. Um dos mais relevantes é o que prevê a criação de um centro da biodiversidade amazônica.
A unidade de conservação internacional deverá se estender do Brasil até a Guiana Francesa, o território ultramarino francês que faz fronteira com o Amapá. O objetivo é que se torne um centro de referências em pesquisas para o desenvolvimento sustentável. A previsão de investimento é de US$ 2 bilhões por ambos os países.

A declaração “Chamado Brasil-França à ambição climática de Paris a Belém e além” diz que os países estão compromissados com o combate ao desmatamento, a proteção da Amazônia, a restauração e gestão sustentável de florestas tropicais e com o desenvolvimento da bioeconomia, que deverá ser estimulada por “mecanismos inovadores de financiamento”. Que mecanismos são esses? Vamos ficar atentos para descobrir. De sua parte, Lula cobrou mais contribuições dos países ricos contra o desmatamento.

No primeiro dia da visita, em Belém, Macron homenageou o cacique Raoni Metuktire, líder do povo kayapó, com a maior honraria concedida pelo país, a Ordem do Cavaleiro da Legião da Honra da França, criada em 1802 por Napoleão Bonaparte. Na ocasião, o presidente francês disse a Raoni que ele se tornou “a sentinela do seu território”.

Reconhecido mundialmente pela defesa das causas indígena e ambiental, Raoni entregou ao presidente francês e a Lula um documento que condena a construção da Ferrogrão (EF-170).

Pelo projeto idealizado por tradings do agronegócio, a ferrovia de 933 quilômetros ligará Sinop ao porto de Miritituba, no Pará, seguindo o percurso da BR-163. O objetivo é escoar a produção agrícola da região rumo aos portos do chamado Arco Norte.

O documento entregue a Macron foi elaborado no início de março, em Santarém (PA), por representantes dos povos indígenas, comunidades tradicionais, organizações e movimentos sociais do Pará e de Mato Grosso. Entre outros pontos, ele denuncia que, desde o início da idealização da ferrovia, não houve consulta prévia e livre às comunidades tradicionais afetadas e que os estudos de viabilidade são falhos e não dão a dimensão dos impactos socioambientais. Recursos para a continuidade dos estudos da Ferrogrão estão assegurados pelo novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Na reta final da visita, na capital paulista, Macron participou do Fórum Econômico Brasil-França, encontrou o vice-presidente Geraldo Alckmin, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e empresários brasileiros na Fiesp.

À parte a curiosidade gerada pelo jantar “secreto” em um restaurante, um compromisso importante, que certamente terá impactos científicos duradouros foi a inauguração do Instituto Pasteur de São Paulo (IPSP), sediado na USP.

Com 17 laboratórios, o IPSP terá capacidade para abrigar cerca de 100 cientistas. O foco é o estudo de doenças emergentes, negligenciadas e degenerativas, com ênfase nas que afetam o funcionamento do sistema nervoso central e o neurodesenvolvimento.

Já o acordo entre a União Europeia e o Mercosul não foi tema da visita de Emmanuel Macron. E tudo deve continuar como está: paralisado. Especialmente depois dos recentes e rumorosos protestos dos agricultores europeus que fazem lobby contrário à entrada de produtos agrícolas estrangeiros.

Macron é um dos principais críticos do acordo. Diz que a versão em negociação poderia autorizar a entrada de alimentos do Mercosul produzidos sem respeito às normas ambientais europeias. O protecionismo ao mercado interno tem, de fato, grande peso nesta discordância.

A França responde pela maior parcela da produção agropecuária dos 27 países da União Europeia. Em 2022, participou com 18% do total do bloco econômico, conforme dados da Eurostat, a agência de estatísticas da UE, equivalente ao nosso IBGE.

A Eurostat revela que a agricultura contribuiu naquele ano com apenas 1,4% do PIB do bloco com a produção de cereais, legumes, frutas, batatas, vinho, leite, ovos, carnes suínas, de aves e bovinas. A França teve a maior participação. Mesmo com contribuição tão pequena, a agricultura é vista como estratégica, há um verdadeiro “orgulho rural” entre os franceses. E, dentro do bloco econômico, é uma das atividades mais fortemente subsidiadas.

A Política Agrícola Comum (PAC) garante um auxílio estatal para prover um rendimento mínimo aos agricultores, que ganham, assim, possibilidade de também competirem com outros países. Um terço das despesas do orçamento comum da União Europeia é com a PAC.

Muitas críticas internacionais também têm sido feitas a esta política, que representaria uma distorção comercial em relação às regras da Organização Mundial do Comércio.

E a própria Agência Europeia do Ambiente (AEA) observa que há uma fraca aplicação das normas ambientais no âmbito da PAC. Algo que ficou visível para o mundo há dois meses, quando, para acalmar os agricultores revoltosos, a UE recuou em vários pontos que cobravam maior rigor no cumprimento das leis ambientais e na redução do uso de pesticidas.

Embora haja um compromisso global de reduzir as emissões de gases de efeito estufa, a UE não tem feito o dever de casa. A redução alcançada até agora tem sido limitada, como a AEA tem alertado. A estimativa da agência é que entre 2005 e 2021, na verdade, houve aumento das emissões em 13 estados-membro do bloco.

Há, no mínimo, dubiedade quando Emmanuel Macron cobra respeito ao meio ambiente (que, de todo modo, deve ser compromisso do mundo) e, dentro casa, não consegue implantar os avanços previstos em lei.

Do alto de 200 anos de relações diplomáticas entre os dois países, é salutar que os compromissos bilaterais continuem a render frutos. São bem-vindos os projetos de cooperação tecnológica, econômica, social e científica. E que frutifiquem também os da área ambiental, com adesão, na prática, dos dois lados.

 

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