COLUNA

Francisca Medeiros

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Imbróglio Continental

Foto: Fábio Nascimento/ Greenpeace

 

Há poucos dias a União Europeia (UE) anunciou que está disposta a adiar por um ano a implementação da sua lei antidesmatamento, que passaria a valer já em janeiro de 2025. O governo brasileiro, setores da produção e da indústria gostaram do que ouviram; o Observatório do Clima, não. Agora, todos aguardam o voto dos 720 eurodeputados do parlamento que vão decidir sobre a demanda da comissão europeia, que é o órgão executivo da UE.

A lei europeia impõe regras não apenas para o Brasil, mas a todos os países de quem importa uma série de produtos: carne, couro, café, soja, cacau, óleo de palma, borracha, madeira, papel e celulose. Pela lista, dá para ver que nosso país é fornecedor de quase tudo. O governo brasileiro estima que, mantendo este escopo, pode haver 15% de perdas nas exportações totais e de 35% das para a União Europeia.

Uma forte pressão política e empresarial tem sido feita sobre a UE. Os ministros Carlos Fávaro (Agricultura) e Mauro Vieira (Relações Internacionais) enviaram carta ao bloco pedindo o adiamento das novas regras. No documento, usaram palavras fortes para classificar a nova lei como “unilateral, punitiva e discriminatória”.

E a UE também recebeu carta brasileira a favor do cronograma original. Em meados de setembro o Observatório do Clima classificou o adiamento, defendido por Fávaro e Vieira, como uma “sabotagem à liderança climática do Brasil”.

Vamos voltar um pouco à origem. Aprovada em junho de 2023, a lei antidesmatamento, conhecida pela sigla EUDR (Regulamento da União Europeia para Produtos Livres de Desmatamento), prevê que as importações tenham origem conhecida, comprovada por relatórios com dados georreferenciados.

Ela veta a compra de produtos que venham de áreas em que houve desmate após 31 de dezembro de 2020. Detalhe: ela não distingue desmate ilegal do legal, aquele autorizado pelas autoridades brasileiras à luz do Código Florestal.

Pelo lado dos exportadores as críticas são principalmente quanto à operacionalização da lei. A Abiec, que representa a indústria exportadora de carne brasileira, e a Abiove, que fala pela indústria nacional de óleos vegetais, têm manifestado preocupação com a falta de clareza sobre os procedimentos práticos a serem adotados nas operações comerciais. Dizem que a plataforma disponibilizada pela UE é incipiente, tem qualidade ruim, as imagens de satélite não chegam ao nível de fazendas.

Carne e soja são dois setores que já têm vários protocolos em vigor para frear o desmate na Amazônia Legal. No Pará, por exemplo, desde 2009 há acordos assinados entre a cadeia da pecuária e de grãos com o MPF e órgãos de fiscalização. E muitas empresas que operam com soja já adotam políticas individuais de desmate zero para se ajustar às exigências dos mercados consumidores.

Em todos os protocolos, o foco não é só combater a perda de florestas com abertura de novas áreas, mas também a grilagem de terras, o trabalho degradante, as invasões a unidades de conservação e a terras indígenas e quilombolas.

O alcance da EUDR não é apenas a Amazônia, a estimativa é que metade do Cerrado seja incluído. De forma resumida, a lei europeia autoriza a compra só de quem teve desmate zero a partir de janeiro de 2021, não tem embargos ou trabalho degradante, e que atenda aos direitos humanos. Tudo demonstrado por documentação oficial.

A punição no caso de um navio chegar a um porto europeu com produtos fora da conformidade vai de multas de até 4% do faturamento da empresa que exportou a cancelamentos de contratos.

A Aprosoja-MT se preocupa com o que considera uma imposição de barreira comercial, protecionismo econômico e um desrespeito ao livre comércio mundial.  Juntamente com a Ásia e EUA, a UE está entre os principais destinos do grão aqui produzido. Cerca de 27% de toda a soja brasileira embarcada para a Europa sai de MT, o que resulta em R$ 6 bilhões por ano.

Tem havido, de fato, muitas reações contrárias à implementação da lei tal como está. Da parte de quem vende, há manifestos do Mercosul, EUA e países asiáticos. E partem também de próprios Estados-membros da UE, como Alemanha, Espanha e Itália. Por lá, o temor é com a segurança alimentar, a escassez e a inflação dos alimentos. Por isso, pedem a postergação por 12 meses.

Caso não haja mudança, a Abiec projeta que as vendas brasileiras da carne sejam 90% afetadas. Em 2023 foram entregues ao continente europeu 77 mil toneladas de carne brasileira, o que rendeu mais de R$ 3 bilhões. A soja representa 14% das exportações para a Europa, algo em torno de US$ 11 bilhões. E ninguém quer perder nacos deste mercado.

Apesar de todo o arcabouço legal do Brasil para coibir o desmatamento, há ainda dificuldades para a segregação física dos produtos e a implantação da rastreabilidade, ferramenta que atesta o caminho percorrido da origem ao destino. O algodão é um segmento que já tem isso bem resolvido.

Como aprimoramento, a Abiove sugere ao governo federal que inclua a informação do Cadastro Ambiental Rural (CAR) na nota fiscal e que os estados façam a inscrição estadual por fazenda e não por produtor.

Importa é que o adiamento, caso seja aprovado pelo parlamento europeu, não seja recebido como uma deixa para afrouxar pontos da nossa legislação ambiental. Doze meses não é tanto tempo assim para se adequar, vai exigir empenho de todos os lados. E, claro, se há exigências descabidas, elas devem ser negociadas nas esferas política, diplomática e empresarial.

E, independentemente de o continente europeu ter destruído a maior parte da sua cobertura vegetal nativa, não é isso o que importa ser discutido. É legítimo o consumidor, de lá e de cá, exigir que os produtos que lhe são oferecidos não tenham, comprovadamente, contribuído para a degradação ambiental. Ao fim, é pelo ângulo do consumo ambientalmente responsável que tudo deve ser ajustado.

*Os textos das colunas e dos artigos são de responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a opinião do eh fonte

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