COLUNA

Francisca Medeiros

francisca@ehfonte.com.br

Informações que unem o campo e a cidade.

Banner
Banner

Acordo histórico assinado Mercosul-EU; saiba os próximos passos

Foto: Ricardo Stuckert/PR

 

“Nosso bloco tem uma oportunidade histórica de liderar a transição energética e enfrentar os desafios impostos pela transição climática.” (presidente Lula).

“Somos a região do mundo que tem absolutamente tudo.” (Santiago Peña, presidente do Paraguai).

“O Uruguai tem vocação para se abrir para o mundo.” (Luis Lacalle Pou, presidente do Uruguai).

“Não podemos dar as costas ao resto do mundo, não podemos nos dar este luxo.” (Javier Milei, presidente da Argentina).

 “Dia histórico da diplomacia brasileira, uma conquista histórica.” (ministro Carlos Fávaro).

 “É inaceitável como está”. (Emmanuel Macron, presidente da França).

“Os franceses não apitam mais nada, quem apita é a Comissão Europeia”. (presidente Lula).”

“As democracias podem confiar umas nas outras”. (Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia).

Estes trechos de falas de autoridades envolvidas na conclusão do texto do acordo Mercosul-União Europeia, anunciada no último dia 6, mostram o tamanho da conquista diplomática e do potencial do tratado ter impactos econômicos relevantes para 750 milhões de pessoas. E, claro, também ficou gravada a veemente oposição da França, uma potência agrícola europeia.

Dado este passo, a implementação ainda vai percorrer um longo caminho, com validação nos dois blocos e votação nos parlamentos até que tenha efeitos práticos. Não dá para cravar prazos, mas algumas estimativas falam em 9 meses pela frente.

A França deve continuar como pedra no sapato e se esforçará para articular uma “minoria qualificada”, mecanismo legal que pode barrar a tramitação por lá. Para isso, precisa de pelo menos quatro países que reúnam 35% da população do bloco, no mínimo. Polônia, Itália, Países Baixos e Áustria são candidatos para esse time dos descontentes. Enfraquecido e com problemas de governabilidade, Macron pode ver sua liderança enfrentar percalços.

Independentemente da entrada em vigor, é preciso conhecer mais deste inédito acordo de livre comércio entre dois blocos econômicos. Ele não significa a abertura total das porteiras e portos para a compra e venda de produtos e serviços. Há previsão de mudanças (redução e até isenção) nas tarifas e a criação de cotas, entre outras medidas. São muitos os produtos incluídos, como carnes – bovina, suína e de frango -, açúcar, mel, arroz, etanol e automóveis.

Pela receptividade de segmentos do agro brasileiro, espera-se benefícios com

a formalização do tratado. Em uma nota pública, a Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG) explicou que em 10 anos a UE deve isentar em mais de 80% as importações agrícolas do Mercosul e dar acesso preferencial, com menor tarifa, a vários produtos, como frutas, peixes, café solúvel, suco de laranja e óleos vegetais.

A Associação Brasileira de Produtores e Exportadores de Frutas (Abrafrutas) acredita na ampliação do mercado para as frutas brasileiras, que já tem a Europa como destino preferencial. Nos primeiros 11 meses deste ano, 76% da produção foram enviados para aquele continente. A Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec) salientou que o acordo visa a complementação da produção entre as nações do Mercosul e da Europa.

Uma estimativa preliminar da consultoria Agrifatto diz que pode mais que dobrar a venda de carne bovina para a UE. Hoje, do total dos embarques, 5% são para o bloco, e esse volume pode chegar a 12%,13%. Pelo acordo, o Mercosul terá uma cota adicional de 99 mil toneladas, das quais 55% resfriadas e 45% congeladas, com alíquota reduzida de 7,5%.

Para o frango, a previsão é de uma cota adicional de 180 mil toneladas anuais com isenção de impostos. E para o milho o novo acordo inclui uma cota adicional de 1 milhão de toneladas com imposto zerado.

O consumidor poderá esperar que, gradualmente, alguns itens importados fiquem mais baratos, como frutas de clima temperado (frutas secas, peras, maçãs, pêssegos, cerejas, kiwis), azeites, vinhos, bebidas, queijos e laticínios.

São também esperados efeitos indiretos, aqueles que podem baratear a produção brasileira com a importação de máquinas e insumos a preços menores. O acesso a bens intermediários com tarifas reduzidas ou zeradas pode reduzir o custo de produção e melhorar a produtividade por aqui.

No caso dos automóveis, a alíquota de importação no Mercosul, que atualmente é de 35%, vai cair ao longo de 15 anos para veículos a combustão fabricados na Europa. Para os elétricos, isso se dará dentro de 18 anos e, para os movidos a hidrogênio, o período é de 25 anos. E já está reservado espaço para tecnologias que sequer ainda existem. Neste caso, o prazo é de 30 anos.

E caso o aumento das importações da Europa prejudicarem a produção, vendas e empregos da indústria automobilística do Mercosul – Brasil e Argentina, notadamente –, voltará a alíquota de 35% por três anos, prorrogáveis por mais dois.

O acordo também reforçou o compromisso com o comércio sustentável, a proteção ao meio ambiente e à promoção do trabalho decente, rechaçando, porém, “barreiras desnecessárias ao comércio”. A Europa deve reconhecer a análise, por parte de agências do Mercosul, de conformidade dos produtos com as regras europeias. As exigências sobre desmatamento não poderão violar as normas da Organização Mundial do Comércio e devem se basear na ciência. Um ganho para o conceito de reciprocidade.

O Brasil também impôs salvaguardas para as compras governamentais, consideradas importantes para impulsionar a indústria brasileira nas áreas da saúde, agricultura familiar, ciência e tecnologia. Foram excluídas do acordo as compras do SUS.

Mais que questões econômicas, este acordo tem um importante significado geopolítico. Ele vai ajudar a UE a recuperar parte do terreno perdido para a China. . O bloco vem perdendo importância, as exportações passaram de 24,6% para 13,6%. E as importações de 25,4% para 18,9%.

E, do seu lado, o Mercosul ganhará maior poder de barganha frente aos países desenvolvidos e pode diminuir a dependência da China.

Em tempos de Trump e de mais protecionismo, no estilo ‘meu angu primeiro’, o Acordo Mercosul-UE é uma vitória do multilateralismo e dos compromissos de longo prazo. Este modelo engenhoso vai exigir vigilância, negociação e capacidade de conversa entre democratas. E que os ventos soprem fortes a favor da cooperação mútua e duradoura.

Compartilhe

Assine o eh fonte

Tudo o que é essencial para estar bem-informado, de forma objetiva, concisa e confiável.

Comece agora mesmo sua assinatura básica e gratuita: