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Regina Alvarez

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A armadilha dos juros altos

Na terça-feira, o Banco Central divulgou a ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), realizada em 30 e 31 de julho, ocasião em que os diretores do BC decidiram manter a taxa básica de juros – Selic – em 10,5% ao ano. Na ata, o Comitê foi além, ao afirmar “que não hesitará em elevar a taxa de juros para assegurar a convergência da inflação à meta, se julgar apropriado”.

A ameaça, que estava no ar desde o comunicado divulgado logo após a reunião do Copom, saiu da conjectura para se materializar na ata. Ou seja, após interromper a trajetória de queda de juros em maio e manter por três reuniões consecutivas a taxa nas alturas, agora o BC informa que poderá elevar novamente os juros para que a inflação retorne à meta.

A decisão foi unânime, mas isso não significa que os diretores estejam totalmente alinhados em relação ao melhor caminho para a taxa de juros. A composição atual da diretoria do BC tem uma maioria de diretores – incluindo o presidente Roberto Campos Neto – indicada pelo governo anterior. E pelo menos no caso de Campos Neto muitos foram os sinais já emitidos de que ele não é exatamente neutro em relação à política. Estando em minoria, não adiantaria os novos diretores indicados pelo presidente Lula marcarem posição no Copom divergente da turma do governo anterior. E ainda causaria um ruído com o mercado, que costuma reagir com fúria a qualquer posição que não siga a sua cartilha.

O que o atual governo pensa sobre esse aviso de que os juros podem subir, na contramão do que tem defendido Lula desde que assumiu o terceiro mandato? Até o momento, não houve manifestação oficial, mas a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, externou o que provavelmente é também a opinião da cúpula do governo. Em uma rede social, ela disse que “a ata é um tapa na cara do país”, destacando os indicadores positivos da economia e o esforço fiscal anunciado recentemente pela equipe econômica.

O Copom menciona no comunicado alguns cenários considerados desafiadores para que a inflação caminhe para o centro da meta, de 3% ao ano. Um deles é a valorização do dólar frente ao real. Temos visto nas últimas semanas uma disparada na cotação do dólar, que se persistir pode, de fato, gerar mais inflação, porque esse custo adicional das empresas costuma ser repassado aos preços dos produtos. Mas as razões para a alta do dólar muitas vezes são externas – incertezas sobre a economia americana, entre outras – e o BC dispõe de instrumentos para intervir no mercado, se considerar que o movimento é especulativo.

Outro fator mencionado pelo Copom como empecilho para que a inflação caminhe para a meta é o dinamismo da atividade econômica e do mercado de trabalho. “No cenário doméstico, o mercado de trabalho e a atividade econômica, em particular o consumo das famílias, têm surpreendido e divergido do cenário de desaceleração previsto”, diz um trecho da ata.

Sobre esses indicadores, é bom lembrar que a inflação atual e também a projetada para os próximos dois anos – horizonte com que o Copom trabalha – não está fora da meta estabelecida para o período. Em julho, a inflação estimada pelo mercado no acumulado de 12 meses é de 4,45%. A meta é de 3%, mas há um intervalo de tolerância que no limite superior chega a 4,5% ao ano. As estimativas para julho de 2026 são de inflação de 3,72% ao ano, sendo que a meta e o limite máximo se mantêm em 3% e 4,5% ao ano.

Ou seja, o que para o país são sinais positivos da economia – crescimento, aumento do consumo e desemprego em queda – para o Copom é notícia ruim. Além disso, a ata menciona a preocupação com a política fiscal, minimizando o anúncio recente de cortes no Orçamento no montante de R$ 15 bilhões, que afetaram áreas essenciais, como saúde e educação. Segundo levantamento do jornal O Globo, o governo bloqueou R$ 1,7 bilhão do Programa Farmácia Popular, R$ 580 milhões do Auxílio Gás, R$ 516 milhões do programa Minha Casa, Minha Vida e R$ 500 milhões do programa Pé de Meia, entre outros cortes de despesas.

Manter os juros no patamar atual, de 10,5% ao ano, ou aumentá-los ainda mais, como ameaça o BC, implica uma série de consequências negativas para a economia e para o país. Juros elevados aumentam as despesas financeiras do governo, elevam a dívida pública e prejudicam os investimentos, tanto os públicos como os privados, pois com o crédito mais caro as empresas têm mais dificuldades para expandir seus negócios. Só quem ganha nesse cenário é o mercado financeiro.

Considerando todos esses fatores, questionar a rigidez com que o BC tem conduzido a política monetária faz todo o sentido. Como diz o ditado, a diferença entre o remédio e o veneno é a dose.

 

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