A dívida pública e as nossas dívidas
O tema da dívida pública é pouco atraente para quem não acompanha os assuntos econômicos, mas acredito que seja importante, já que a dívida pública afeta a economia e, como tenho enfatizado neste espaço, a economia afeta a vida de todos nós.
Assim como acontece com o Orçamento da União, a dívida pública muitas vezes é comparada às nossas dívidas, aquelas que contraímos para adquirir um bem ou serviço. Mas não é bem assim. É bem diferente, na verdade.
Em 2023, a dívida bruta do setor público, que inclui as dívidas do governo federal, INSS, governos estaduais e municipais, chegou a R$ 8,1 trilhões, o que equivale a 74,3% do Produto Interno Bruto (PIB), que é a soma das riquezas do país. Houve um crescimento dessa dívida em relação ao ano anterior de 2,7 pontos percentuais do PIB. No final de 2022, a dívida bruta estava em R$ 7,22 trilhões.
São números expressivos, sem dúvida, mas existem muitos fatores que precisam ser considerados quando se olha para a dívida de um país, fatores nem sempre levados em conta, dependendo do viés do analista. Primeiro, é importante enfatizar que a dívida pública nesse patamar não significa que o país está quebrado ou caminha nessa direção.
Os Estados Unidos, país mais rico do mundo, fechou o ano de 2023 com uma dívida equivalente a 124% do PIB. A dívida de lá, assim como a daqui, preocupa, mas em qualquer análise séria sobre o tema, sem viés político ou pró-mercado, é preciso levar em conta a trajetória da dívida e quais fatores estão contribuindo para que ela cresça.
No caso do Brasil, existe um fator muito importante, com peso considerável na dívida, que é a conta de juros. Em 2023, a soma dos juros pagos sobre a dívida no setor público consolidado – que inclui as três esferas de governo, mais as empresas estatais não financeiras – chegou a R$718,3 bilhões, o equivalente a 6,61% do PIB.
No caso do governo federal, as despesas com juros da dívida pública somaram R$ 614,5 bilhões em 2023. Para efeito de comparação, essas despesas superaram os gastos de três ministérios da área social: Saúde, Educação e Desenvolvimento Social, este último responsável pelo Bolsa Família. Juntas, as três pastas tiveram um gasto total de R$ 578 bilhões, incluindo o pagamento de servidores, segundo dados obtidos pelo G1 no Painel do Orçamento do Ministério do Planejamento.
Embora os gastos com juros sejam contabilizados de forma diferente, ambas as despesas têm impacto na dívida pública. Assim, não é por acaso que o governo atual tem batido na mesma tecla desde que assumiu em janeiro de 2023, enfatizando a necessidade de o Banco Central reduzir a taxa básica de juros, que continua entre as mais altas do mundo.
Outro aspecto a ser considerado quando se fala da dívida pública é a relação dívida/PIB, conceito mais usado para medir a dívida e reconhecido internacionalmente. Ou seja, se o PIB crescer, a dívida cairá em relação ao produto. Já se o PIB cair, a dívida ficará maior. Também por esse motivo é importante que o país volte a crescer de forma robusta, o que contribuiria ainda para o aumento do emprego e para a redução das desigualdades.
Finalmente, quero destacar alguns fatores que tiveram impacto significativo no resultado das contas públicas em 2023 – que fecharam com um déficit de R$ 249 bilhões – e no crescimento da dívida pública no mesmo período.
Decisões tomadas pelo Executivo e aprovadas pelo Congresso ainda em 2022, ano eleitoral, destaque-se, contribuiram para a piora das contas de 2023. Uma delas é a Lei Complementar nº 194, de 23 de junho de 2022, que estabeleceu uma política de redução de alíquotas de ICMS cobradas pelos estados sobre combustíveis, impondo perdas bilionárias aos estados. Quase às vésperas da eleição presidencial, a lei possibilitou a queda artificial dos preços dos combustíveis.
Após o Supremo Tribunal Federal determinar a compensação das perdas por meio de um acordo, a conta chegou para o atual governo. As perdas que serão compensadas chegam a R$ 27 bilhões e a primeira parcela, de R$ 8,7 bilhões, já afetou de forma negativa o resultado das contas em dezembro.
A outra “herança” deixada pelo governo anterior são as dívidas com precatórios – débitos do governo decorrentes de ações judiciais – que deveriam ser pagas em 2022 e foram adiadas com o aval do Congresso. O STF concluiu que o teto ou limitação criada para esses pagamentos era inconstitucional e que as dívidas precisavam ser pagas. A consequência foi que o resultado das contas do governo em dezembro foi fortemente impactado pela liberação de R$ 92 bilhões em precatórios.
Todos esses fatores mostram que é preciso analisar com cuidado a trajetória da dívida pública, sem viés, sem tomar partido, para então traçar cenários para a economia do país. Apenas reduzir os gastos do Orçamento, como defendem alguns analistas “amigos” do mercado financeiro, não é solução para um problema tão complexo. Outros fatores precisam ser considerados, como a redução das despesas com juros, o aumento da arrecadação com a taxação dos super ricos e seus fundos exclusivos, a redução de subsídios e desonerações que comprometem uma fatia enorme da receita com impostos e contribuições. Focar só no andar de baixo, propondo o corte de investimentos e gastos sociais, já que é só essa fatia do Orçamento que hoje é passível de cortes, não contribui para a construção de um país mais justo e menos desigual.
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