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Adriana Mendes

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Acervo histórico de Dante em risco

Foto: Adriana Mendes

O mato-grossense Dante de Oliveira deixou seu nome grafado na história do país como autor da emblemática proposta de emenda constitucional das Diretas Já, apresentada ao Congresso em março de 1983. O homem das Diretas nasceu e construiu sua carreira política em Cuiabá. Após sua partida precoce, em junho de 2006, aos 54 anos, vítima de uma pneumonia, o escritório que mantinha na capital  passou a abrigar o acervo familiar e profissional do político.

Em 25 de abril passado, a votação na Câmara dos Deputados da emenda que propunha o voto direto para presidente completou 40 anos. A emenda Dante de Oliveira, como ficou conhecida, não foi aprovada, mas desencadeou um movimento que uniu o Brasil – direita e esquerda, conservadores e liberais – todos em defesa de eleições livres e democráticas para presidente da República. Na época, o país estava sob uma ditadura militar desde o golpe de 1964.

A data foi celebrada em todo o país, mas a memória do político que enche os mato-grossenses de orgulho está em risco. Assim como o seu legado a ser mostrado às futuras gerações. O acervo que reúne a trajetória de Dante está se deteriorando devido à falta de cuidados e de um armazenamento adequado.

São centenas  de fotos, recortes de jornais, documentos, livros, agendas, manuscritos, fitas (VHS, U-matic, cassetes que precisam ser avaliadas para verificar a possibilidade de digitalizá-las) e pertences pessoais. Ou seja, um vasto material.

Visitei o antigo escritório de Dante, na região central de Cuiabá, e o sentimento foi de desolação. Encontrei itens no chão, caixas abertas e desorganizadas. Fitas caídas e quadros espalhados amontoavam-se, alguns já com mofo. Ronaldo Oliveira, irmão da viúva de Dante, Telma de Oliveira, avisou que estava “tudo meio bagunçado”, e estava mesmo. Segundo ele, quem começou a cuidar das peças e documentos do parlamentar foi a tia dele, a historiadora Terezinha Arruda, que chegou a ter uma equipe para catalogar os itens. Ela faleceu em 2021, porém, antes de sua morte, o trabalho foi paralisado.

Telma de Oliveira chegou a usar o escritório por um tempo, segundo Ronaldo, no entanto, atualmente, a sala fica fechada. “A ideia é sair daqui e levar o acervo para um memorial”, explicou. Com tantos documentos sem organização sistemática, alguns nem são localizados. Não encontramos registros do histórico comício de Tancredo Neves, realizado na Avenida Isaac Póvoas, em frente à casa da mãe de Dante, em Cuiabá.

A carreira de Dante de Oliveira não se limita ao papel das Diretas Já. Após a apresentação da emenda, ele foi prefeito de Cuiabá por dois mandatos, ministro da Reforma Agrária no governo José Sarney e, por duas vezes, governador de Mato Grosso.

O cientista político Paulo Kramer esteve no escritório em 2011, quando escreveu o livro “Dante de Oliveira” para a coletânea de perfis parlamentares da Câmara dos Deputados. Segundo ele, os documentos naquela época estavam em bom estado. Na avaliação de Kramer, Dante foi o nome de maior projeção política de Mato Grosso após Filinto Muller, o líder da polícia política de Getúlio Vargas. “É lamentável como o Brasil trata mal sua própria história”, afirmou, ao ser informado sobre a má conservação do material.

Ali estão documentos históricos, fotos dos comícios das Diretas em 1984 com a participação de Ulysses Guimarães, Tancredo Neves, Leonel Brizola, Lula, Franco Montoro, Orestes Quércia e tantos outros políticos, além de artistas e intelectuais que se engajaram no movimento.

Na Candelária, no Rio de Janeiro, em abril de 1984, milhares de pessoas participaram do comício com a mensagem estampada: ‘Eu quero votar para presidente’. O ápice da campanha ocorreu com um ato no Vale do Anhangabaú, em São Paulo. O cartunista Henfil, o rebelde do traço foi o criador do slogan das ‘Diretas Já’ com a imagem de Teotônio Vilela. As camisetas da época estão todas mofadas, expostas em quadros.

Uma das justificativas para a “bagunça” no escritório foi a de que os materiais estavam sendo preparados para uma exposição no Congresso Nacional, por ocasião da comemoração dos 40 anos de votação da emenda. As camisetas, mesmo emboloradas, já estavam embaladas. Na última hora, o evento foi cancelado por um “problema com transporte” que não foi muito bem esclarecido.

O presidente do Instituto Dante de Oliveira é Leonardo Oliveira, sobrinho de Dante. Neste ano de 2024, a morte do político completa 18 anos, sem que haja uma definição concreta para o destino do acervo, que já ficou dois anos em uma praça. A justificativa é a necessidade de verba pública para criação de um memorial. “Estamos trabalhando agora para reorganizar, digitalizando toda a história. É a nossa meta”, afirmou Leonardo.

Várias ideias já surgiram e não prosperaram. Uma delas foi a criação de um memorial no Parque Mãe Bonifácia, em Cuiabá, uma das realizações do ex-governador. Segundo o deputado estadual Carlos Avallone (PSDB), amigo de Dante e defensor de um memorial, há negociações com o atual governo para que o acervo fique no Parque Novo Mato Grosso, ainda em construção e sem prazo para entrega.

À medida que as lembranças das ‘Diretas Já’ continuam a ecoar na consciência nacional, o descuido com documentos históricos põe em questão nosso compromisso com a memória coletiva. Dante faz parte dessa memória!

** Os textos das colunas e dos artigos são de responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a opinião do eh fonte.

Foto: Reprodução/  Comídio das Diretas Já

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