Agricultura familiar contra desertos e pântanos alimentares
Em alguns lugares faltam alimentos essenciais à saúde humana; em outros, a comida ultraprocessada domina. O primeiro caso é como um deserto alimentar; o segundo, um pântano. Estes conceitos foram elaborados por uma pesquisa da Universidade de São Paulo (USP) que mapeou situações que oferecem riscos para o desenvolvimento de doenças crônicas. E a partir deste alerta, vem o gancho óbvio de que a agricultura familiar pode ser chave para melhorar a alimentação e a saúde de quem vive em desertos ou pântanos alimentares.
A pesquisa mostra que os desertos estão em áreas distantes dos centros urbanos, ou nas suas periferias, onde são limitados os acessos financeiro e físico a frutas, legumes, verduras, arroz e feijão. E os pântanos são localidades com abundância de oferta de alimentos ultraprocessados, como fast-foods, lanchonetes e lojas de conveniência. Eles podem estar nos centros comerciais ou em bairros de classe média, como explicou em entrevista ao Jornal da USP de setembro o pesquisador Marcos Anderson Lucas da Silva, doutorando no Programa de Nutrição em Saúde Pública e pesquisador do Núcleo Epidemiológico em Nutrição e Saúde (Nupens), ambos da Faculdade de Saúde Pública da USP.
E são muitos os brasileiros que vivem uma das situações, ambas igualmente perigosas para a saúde. O Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDA), em parceria com o Grupo de Políticas Públicas da Esalq-USP, fez um mapeamento em 91 municípios com mais de 300 mil habitantes. E encontrou cerca de 25 milhões de pessoas vivendo em áreas de desertos alimentares, o que dá 32,3% da população investigada. E nos pântanos alimentares estão em torno de 15 milhões de brasileiros, 19% do total do universo analisado.
Seja pela escassez de alimentos saudáveis ou pelo excesso de ultraprocessados, o estado nutricional dos brasileiros preocupa porque ambas as situações favorecem o desenvolvimento de doenças crônicas, como a obesidade, que implica no aumento do risco de diabetes tipo 2, hipertensão arterial e doenças cardiovasculares.
E para nortear as ações públicas de melhoria do acesso a alimentos de mais qualidade nutricional, é muito útil uma ferramenta desenvolvida pelo governo federal, o Alimenta Cidades. A partir dos dados do CadÚnico, pode-se filtrar e cruzar informações para identificar as áreas críticas e quantas pessoas estão em vulnerabilidade alimentar.
Cuiabá é o único município mato-grossense incluído nessa pesquisa que identificou que em áreas de desertos alimentares vivem 9.832 pessoas em situação de pobreza e 33.374 de pobreza e baixa renda. Aqui se considera que, a cada grupo de mil habitantes, existem até 5 estabelecimentos comerciais que ofertam alimentos saudáveis acessíveis em até 15 minutos de caminhada.
E nos pântanos alimentares são 10.307 pessoas em pobreza e 17.578 de baixa renda e pobreza. O critério considerado aqui é que, para cada mil habitantes, existem mais de 15 estabelecimentos que ofertam alimentos não saudáveis aonde se pode chegar em até 15 minutos de caminhada.
A pesquisa mostra o que se vê facilmente na prática: alimentos frescos e saudáveis são mais difíceis de serem encontrados, já os ultraprocessados, embalados e prontos para consumo, estão ao alcance da mão.
E é aí que o poder público pode e deve ter uma atenção especial para implantar e qualificar equipamentos públicos de alimentação e nutrição, como bancos de alimentos, cozinhas solidárias, restaurantes populares, sacolões e feiras livres.
É um instrumento poderoso que pode melhorar a nutrição no campo e na cidade é a agricultura familiar, incluindo a urbana e periurbana, e os cinturões verdes. E sobre isso tem notícia boa. O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e o Plano Safra da Agricultura Familiar passarão a ter força de lei no Brasil.
Traduzindo: eles passarão a ser políticas de Estado e não de governos, o que vai proporcionar continuidade, estabilidade e segurança jurídica e ações permanentes. O Projeto de Lei com esta previsão, de autoria do senador Beto Faro (PT-PA), foi aprovado na semana passada pelo Congresso Nacional e agora falta apenas a sanção do presidente Lula.
De acordo com o texto aprovado, os dois programas devem fortalecer o papel estratégico da agricultura familiar na segurança alimentar. E, para isso, prevê ampliar o acesso ao crédito com condições favoráveis aos agricultores familiares, assentados da reforma agrária, indígenas e quilombolas.
E entre as diretrizes do projeto está o fomento à produção sustentável, com redução do uso de agroquímicos, economia de água e valorização da biodiversidade, o que se alinha aos desafios de enfrentamento das mudanças climáticas.
Na mesma direção está a definição da nova cesta básica de alimentos, elaborada à luz do Guia Alimentar para a População Brasileira. A Reforma Tributária prevê que os itens da cesta terão isenção de impostos, o que sinaliza para um barateamento dos alimentos.
A cesta inclui os diferentes tipos de feijão, ervilha e lentilha, arroz, milho, trigo em grão, raízes e tubérculos, legumes e verduras, frutas (frescas, congeladas, polpas e secas), carnes e ovos, leites e queijos, açúcares, sal, óleos e gorduras, café, chá, mate e especiarias, além de pães, como o francês e outros minimamente processados.
O acesso à alimentação saudável, na quantidade e qualidade devidos, depende, claro, dessas e de muitas outras ações e nem tudo precisa passar por decisões institucionais. Quando damos preferência a alimentos locais e da estação, fazemos a nossa parte para garantir a sobrevivência dos negócios dos pequenos produtores.
Na questão da alimentação, as novidades que se vendem em embalagens coloridas não são as melhores opções para nossa saúde que, sabemos, começa pela boca. E nada substitui o valor de um prato colorido, com ingredientes frescos, com muito aroma, sabor e temperado com afeto.
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