Ailton Segura pelos colegas correspondentes
Nos anos 1980 e 1990, Cuiabá reuniu correspondentes nacionais dos principais jornais impressos e emissoras de rádio do País. No Jornalismo, o correspondente é o profissional destacado, ou residente, numa cidade que não é a sede do veículo de comunicação social para o qual trabalha. Sua tarefa é produzir informação sobre temas e acontecimentos da área geográfica da sua dependência.
O jornalista Ailton Segura, que faleceu sexta-feira (20), integra a galeria de correspondentes que atuaram em MT naqueles anos. Natural de Sorocaba (SP), chegou em Cuiabá em 1984 como correspondente do jornal Folha de São Paulo, fixou residência na cidade, casou e teve dois filhos cuiabanos. Segura ocupou diversas funções na capital, principalmente as de editor e repórter. Ele faleceu, aos 74 anos, em Cuiabá, onde se aposentou como professor de Jornalismo da UFMT.
Na coluna de hoje, Ailton Segura é homenageado, com saudade, gratidão e respeito por mim, Sônia Zaramella, e por colegas e amigos de uma época importante em que fomos jornalistas correspondentes no estado, que são Evandro Fadel, Márcia Marques, Montezuma Cruz, Pedro Pinto de Oliveira, Tinho Costa Marques e Vasconcelos Quadros.
Evandro Fadel – correspondente em MT do jornal O Estado de São Paulo entre 1989 e 1991. Tem 65 anos e atualmente é assessor de Comunicação da Secretaria de Estado da Agricultura e do Abastecimento do Paraná.
Cheguei em Cuiabá no final de 1989. Formado em 1987, era inexperiente como repórter. Fui simpaticamente abraçado por todos os jornalistas, particularmente pelos correspondentes nacionais, com os quais tinha maior convívio. Quase diariamente nos encontrávamos em entrevistas ou nos Correios, onde ficava o telex (um aparelho que possibilitava enviar os textos para as sedes dos jornais) e disputávamos espaço, sempre de forma amistosa e com boas conversas. De todos os correspondentes, o Ailton Segura era com quem mais poderia haver rivalidade, pois os jornais que representávamos disputavam o mesmo público paulista. Isso nunca houve. Cedo entendemos que essa questão deveria estar em outras instâncias, não ali onde a notícia acontecia. Nunca e em momento nenhum tive qualquer problema de convivência com esse grande jornalista. Ao contrário, ele muito me ensinou sabendo que eu estava no começo da profissão, enquanto Segura já era dos jornalistas mais respeitados, não apenas em Mato Grosso. Nunca fui de aparecer muito em fotos. Tenho algumas que são reflexo da bondade de fotógrafos que, às vezes, me flagravam em algum lugar. Mas uma em que o Ailton Segura aparece, e eu muito próximo, sempre me vinha à mente. Assim que soube de seu passamento, novamente a foto se projetou. Foi em um evento de 1990, quando o ministro da Agricultura da época, Antônio Cabrera, esteve em Mato Grosso para a retomada da navegação de carga pelo Rio Paraguai. No início de 1991 fui transferido de Cuiabá para Curitiba. De lembrança ganhei do Segura o livro Piabiru – uma odisseia tupiniquim, a saga de uma ferrovia. “Ao Evandro que viveu parte desta saga”, diz a dedicatória assinada por Ailton Segura em 8 de janeiro de 1991.
Márcia Marques – correspondente em MT da Folha de Londrina e da Folha de São Paulo entre 1987 e 1989. Tem 67 anos e atualmente é professora de Jornalismo da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília. Doutora em Ciência da informação.
Eu conheci o Segura em São Paulo, quando ainda estava fazendo Jornalismo na USP e ele era da Cásper Líbero. O que nos uniu é que éramos militantes de uma organização clandestina de esquerda na época, de orientação trotskista. A gente ficou amigo assim, de primeira, porque com o Segura era isso, aquela conversa fiada, lenta, ele enrolava a gente e, pronto! Quando ele me disse que estava indo embora para o interior do país, eu falei para ele que era bom, porque, em São Paulo, se vivia uma vida muito doida. E lá em Cuiabá ia ser bom, teria uma vida mais tranquila. Depois me formei, fui trabalhar, pelo JB, em Curitiba e, de lá, em 1987, me mudei para Cuiabá para ser correspondente da Folha de Londrina. Fui com o contato do Tinho Costa Marques, que era do JB em Cuiabá na época. Logo que cheguei lá, Tinho disse que precisava me apresentar ao correspondente da Folha de São Paulo, que estava deixando o jornal porque viria a ser o secretário de Comunicação do estado. Eu falei, ah, legal, e quando chegou a hora a pessoa era o Segura. “Quanto tempo”, eu disse. Ele olhou para mim e a primeira coisa que falou foi “lembra a última coisa que você me disse quando a gente se encontrou, que aqui eu ia ter uma vida tranquila? É mentira! Aqui também se trabalha pra c…., se prepara”. E a nossa convivência seguiu muito interessante. Ele fez um trabalho muito bom na Secretaria de Comunicação, onde teve uma preocupação grande com a questão do texto, porque ainda não havia o curso de jornalismo para formar profissionais em MT. Na época, ele chamou Rosana Bond, que é uma jornalista de um texto primoroso, que ficou chefiando a área de texto na Secom, na prática ensinando as pessoas a escrever para que tivessem a qualidade que o Segura queria da comunicação. Outra coisa legal que ele fez foi abrir a estrutura do estado para permitir a cobertura jornalística. Teve uma muito interessante, que foi a de um convênio da UFMT com os bakairi para abrir as primeiras vagas aos indígenas no ensino superior. Fizeram uma atividade do governo lá naquela região e o Segura deu um jeito de os jornalistas irem cobrir e foi muito bom porque ele teve essa delicadeza de nos levar até lá para a compreensão da questão indígena, para olhar isso a partir do povo. Lá na aldeia, Segura era (e foi) tratado como o representante do governador. Distraído, dormiu na casa dos homens, uma casa fechada e na qual só os homens entram. No calor, dormiu de bermuda, sem camisa. Quando acordou, de manhã, percebeu que os índios tinham pintado ele inteirinho de oncinha. Ele levou de boa a brincadeira, porque entendeu que a gente estava em uma outra cultura. Aquilo não era uma brincadeira para sacanear, era uma reverência. A onça é muito importante, então foi muito, muito legal. Aliás, minha conversa e convivência com o Segura sempre foram especiais.
Montezuma Cruz: Correspondente em MT do jornal O Globo entre 1989 e 1991. Tem 71 anos e atualmente é colaborador do jornal Varadouro Rio Branco-AC.
Correspondente da Folha de S. Paulo, Segura morava no distante Parque Cuiabá, longe do centro. Ainda não havia telefone celular, nem internet. Algumas vezes ele encerrava o expediente e caminhava para casa, mas se obrigava a voltar para atender a pautas de última hora, notadamente, políticas. Essa elasticidade do Segura quando se encontrava longe da Praça Alencastro, do Palácio Paiaguás e demais poderes e órgãos públicos foi bem idêntica à de Mário Chimanovitch, de O Estado de S. Paulo que, durante uma parte dos anos 1970, trabalhava em Cuiabá, porém, morava em Santo Antônio de Leverger. Generoso, Segura me designou seu substituto em período de férias na FSP. Poderia ter interrompido o final delas quando soube do desaparecimento do Boeing 737 Varig, que havia saído de Marabá (PA) com destino a Belém, em 3 de setembro de 1989. “Monte, faça o que puder, está difícil saber exatamente onde esse avião caiu” – disse e me manteve na cobertura. Tínhamos apenas suposições dando conta que o acidente ocorrera na região de São José do Xingu, o que viria a se confirmar três dias depois. Enquanto isso, dá-lhe ligações demoradas, especialmente às delegacias e quartéis da PM em Confresa, Marcelândia, Porto Alegre do Norte, São Félix do Araguaia, Peixoto de Azevedo. E nada de confirmação. Segura telefonava para o seu escritório, onde ficava o telex. Eu lhe informava que já desistia da empreitada de apurar a distância, até que a sucursal da FSP em Brasília obtinha da Aeronáutica a confirmação de 12 mortos e de 42 pessoas sobreviventes que se embrenharam três dias na selva até serem resgatadas. A principal causa do acidente fora um erro de interpretação de coordenadas pelos pilotos, que desviaram a rota planejada. Restou-me escrever 20 linhas com dados históricos a respeito de São José (7,45 mil Km²) que, no passado, era conhecida por São José do Bang-Bang. Se dessem tempo e condições, Segura iria lá e faria uma página vibrante do lugar onde o Boeing caiu.
Pedro Pinto de Oliveira – Correspondente em MT do jornal Correio Braziliense e da Rádio JB entre 1983 e 1984. Tem 67 anos e atualmente é jornalista do PNB Online e professor e pesquisador do ECCO e PPGCOM da UFMT.
Eu fazia em 1983 e 1984 correspondência para o Correio Braziliense e para a Rádio Jornal do Brasil, além do trabalho na Empresa Brasileira de Notícias (EBN). As conversas com o Segura sempre foram produtivas sobre as pautas e sobre o próprio Jornalismo em si. Desde aquela época, eu e Segura conversávamos sobre a questão de fatos e valores, como as notícias de interesse social precisavam estar dentro do contexto histórico e social. Segura tinha essa noção de que o jornalismo precisava fazer conexões, ajudar o leitor a entender o processo social. Nossa convivência acadêmica sempre foi muito produtiva e interessante, tínhamos um debate muito específico sobre a experiência dele no jornalismo impresso e a minha experiência no jornalismo televisivo e radiofônico.
Sônia Zaramella – Correspondente em MT do jornal Correio Braziliense entre 1987 e 1989. Tem 71 anos e atualmente é colunista do newsletter Eh fonte. Professora de Jornalismo da UFMT aposentada.
Foram décadas de amizade com Segura, construída primeiro pelo exercício profissional em Cuiabá, na condição de correspondentes de jornal, e depois na Academia, como docentes de Jornalismo na UFMT. Não me lembro se em 1987, nem qual mês foi, saímos de Cuiabá eu, ele e o colega Mauro Camargo, num avião monomotor, com destino à Juína (733 km) para acompanhar o então ministro da Reforma Agrária, Dante de Oliveira, em inaugurações do Incra no nortão de MT. O voo atrasou, o monomotor, na primeira tentativa de pouso no aeroporto de pista de terra de Juína, arremeteu, chegou a sobrevoar a cidade para alertar que tinha avião chegando (a forma de comunicação da época) e só então fez um pouso seguro. Corremos para o local onde Dante estava, porém, chegando lá, o evento já tinha encerrado e o ministro estava embarcando (no mesmo aeroporto em que minutos antes havíamos chegado) com destino a Alta Floresta, cerca de 500 km de Juína. Imediatamente, Segura se prontificou a embarcar no avião do ministro pois não poderia perder a oportunidade de salvar a cobertura jornalística. Mas eu, muito nervosa ainda com o voo de ida e o pouso complicado do monomotor, não o deixei seguir com Dante, argumentando que deveríamos voltar para Cuiabá usando a mesma aeronave que havia nos levados porque o tempo estava limpo, tranquilo, garantindo um voo com segurança de retorno. Imagino que, a contragosto, porque o perfil de repórter foi o que sempre transpareceu na sua figura, Segura cedeu ao meu apelo e, depois de três horas de ida e mais três horas de volta, sem comer nada e sem matéria jornalística alguma, chegamos de volta a Cuiabá. Avisamos os nossos cônjuges (Edinice e José) e, por volta das quatro da tarde, almoçamos todos juntos numa churrascaria próxima do aeroporto. Ficamos bem, voltamos vivos, mas nossos jornais tiveram que se valer da assessoria de imprensa do ministro para noticiar a ação. Na UFMT, essa e outras muitas experiências de coberturas no Jornalismo (solidárias em muitas delas) contribuíram para nossas aulas de docência e para o mestrado que fizemos na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo. Valeu a pena, amigo, foi muito legal e importante sua parceria e amizade. Fique em paz!
Tinho Costa Marques – Correspondente em MT do jornal O Globo entre 1986 e 1987 e do Jornal do Brasil entre 1987 e 1991. Tem 66 anos e atualmente é assessor de Comunicação do Ministério Público de MT. Professor de Jornalismo da UFMT aposentado.
Minha aproximação maior com Segura se deu exatamente na época em que éramos correspondentes de jornais de circulação nacional, num tempo em que o “jornalismo em campo” – chamemos assim – fazia parte do cotidiano dos jornalistas. A apuração da notícia, das reportagens, se dava com os repórteres indo pessoalmente entrevistar as fontes, acompanhar os acontecimentos. Telefone, só o tradicional, “fixo”. E era usado mais para marcar entrevistas. Mas, embora concorrentes, sempre existia um ponto de encontro, para troca de ideias, de informações não exclusivas e, claro, para tomar uma cerveja bem gelada para aliviar o calor cuiabano. Um ponto de encontro era a agência dos Correios, para transmitir as matérias aos jornais. Nessa convivência, aproximei-me muito do Segura. Era um jornalista afeito à leitura, com forte lastro ideológico, tendo militado em movimentos de esquerda ainda em São Paulo. E essa bagagem marcava sua atuação jornalística, mostrando a realidade de um Mato Grosso ainda iniciando sua transformação econômica, palco de conflitos agrários, sociais – os povos indígenas e pequenos produtores que o digam. Com sua competência, atuou como correspondente da Folha de S. Paulo por longos anos. Foi tanto tempo na Folha, que eu, brincando, passei a chamá-lo de Ailton “Frias” Segura. Embora no início reagisse de forma crítica e irônica, foi se acostumando com a brincadeira, que se estendeu pelo resto da nossa convivência, incluindo os mais de 20 anos como professores do curso de Jornalismo da UFMT. Companheiro, amigo, mas acima de tudo um grande jornalista e professor.
Vasconcelos Quadros – Correspondente em MT do Jornal do Brasil entre 1985 e 1986. Tem 68 anos e atualmente é editor, em Brasília, da revista IstoÉ.
Fui correspondente do velho e saudoso JB no período pré-jurássico, em que governos de direita, ainda comprometidos com os resquícios da ditadura, dificultavam muito o trabalho de reportagem. Já não havia a censura política, mas a censura econômica imperava, inclusive para impedir que notícias ruins ao governo (falo de uma época em que Júlio Campos governava MT) chegassem aos jornais nacionais, o que sempre encarei mais como desafio do que limitações. Meus leais adversários, por assim dizer, eram meus amigos do peito, Tinho (Globo) e Segura (Folha), que sempre vi como um profissional competente, vocacionado também para a universidade, num tempo que a escola de jornalismo ainda engatinhava por aí. A imprensa nesse período tinha mais capilaridade nacional, tinha correspondentes espalhados pelas capitais e principais cidades, exigia uma cobertura do que era relevante e, efetivamente, mostrava o melhor do País. Era uma época das grandes reportagens que, hoje, sem saudosismo, fazem falta. As novas tecnologias digitais e a internet “mataram” uma cultura importante de jornalismo sem colocar grandes coisas no lugar. Quem viveu a “era do chumbo” ainda sonha com a possibilidade de unificação do velho e novo no jornalismo.
*Os textos das colunas e dos artigos são de responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a opinião do eh fonte
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