‘Gauche’ na vida
Jairo Pitolé Sant’Ana*

Foto: Reprodução rede social
Estava em Foz do Iguaçu, quando, ao acordar na manhã de segunda-feira, 17, e abrir o celular para saber do clima (no dia anterior havia caído um pé d’água daqueles), fiquei sabendo da morte de Jards Macalé, um cara que me incentivou a conhecer melhor o supra-sumo (em minha visão, óbvio), da MPB. Foi quando ouvi, por sua voz, “Antonico”, samba gravado pela primeira vez em 1950, embora composto em 1927 por Ismael Silva, fundador da primeira Escola de Samba do Rio de Janeiro, a Deixa Falar.
Isso foi no ano de 1976, quando fui morar num república na (rua ) Julieta Andrada, em Juiz de Fora, onde tinha um toca -discos, que ficava ligado, no mínimo, 16 horas por dia.Até então, só ouvia música pelo rádio ou num pequeno gravador (ainda em forma de tijolo), adquirido dois anos antes, quando alugava minha força de trabalho para uma grande construtora em São Paulo. Nele, gravei Raul Seixas (Ouro de Tolo) , Sérgio Sampaio (Eu Quero É Botar Meu Bloco na Rua), e Belchior (ia dizer Como Nossos Pais, mas a plataforma de pesquisa diz que foi composta em 1976,) entre outros.
Quando comprei meu primeiro toca-discos, já morador de Cuiabá, comecei a ouvir e entender melhor as letras de Caetano Veloso e Gilberto Gil, que cantarolava quase sempre erradamente. Mais tarde, adquiri um “toca-cds”, e um walkman, este usado para ouvir, por exemplo, o cd “Noel (Rosa) por Ione (Papas). Foi neste período que conheci Gordurinha, apelido de Waldeck Artur de Macedo, autor ou divulgador de músicas como Chicletes com Banana e Vendedor de Caranguejo (gravadas por Gilberto Gil), Mambo da Cantareira e Orora Analfabeta (por Macalé) e Assis Valente, autor de clássicos gravados por Novos Baianos (Brasil Pandeiro), Boas Festas (Moraes Moreira), E O Mundo Não se Acabou (Adriana Calcanhoto).
Mais tarde, já neste século (creio que em 2012, quando prestei assessoria de imprensa para o Centro Sebrae de Sustentabilidade), vi exposto na prateleira da livraria de um shopping cuiabano o livro Desde que o Sambá é Samba, de Paulo Lins (autor de Cidade de Deus). Aliás, este é também o nome de um samba composto por Caetano e Gil (“tristeza é senhora/desde que o samba é samba, é assim/a lágrima clara sobre a pele escura/…).
Aí, descambei e entendi o que Caetano quis dizer em Festa Imodesta (“tudo aquilo que o malandro pronuncia e o otário silencia”). Noel Rosa já havia dado a dica em Não Tem Tradução (“… a gíria que o morro criou/ bem cedo a cidade usou e aceitou …/tudo aquilo que o malandro pronuncia/com voz macia é brasileiro, já passou do português/amor lá no morro/ é amor pra chuchu”).
Voltando a Macalé, ele agora se transformou no Anjo Torto do Poema de Sete Faces, de (Carlos ) Dummond (de Andrade) e, não tenham dúvida, vai ser gauche onde estiver. Oxalá!
Enquanto isso, nós, aqui nesta terra estranha e desigual, vamos comendo a Farinha do Desprezo, correndo do Mal Secreto e viajando em um Vapor Barato, porque (acredito) não precisamos de muito dinheiro.
*Jairo Pitolé Sant’Ana, é jornalista em Cuiabá
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