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Oxóssi: força silenciosa que transforma, desafiando o preconceito e celebrando religiões de matriz africana

Fátima Lessa*

Mesa de trabalhos ou altar de trabalho, espaço onde são colocados os objetos sagrados que representam as forças espirituais e os orixás, como velas, flores, imagens de santos, instrumentos sagrados (como atabaques), entre outros. Foto: Raphael de Figueiredo

Início de ano é sempre um momento de celebração em diversas tradições culturais e religiosas, e é curioso como, em diferentes cantos do Brasil, figuras espirituais de grande importância são lembradas de formas tão especiais. Janeiro, por exemplo, traz festas que unem a Umbanda e a Igreja Católica em homenagem a um grande protetor. Na Umbanda, é Oxóssi, o orixá da caça e da proteção, que ganha destaque, enquanto na Igreja Católica, é São Sebastião quem é celebrado. Embora as histórias de ambos sejam distintas, é interessante perceber como eles compartilham algo em comum: ambos são símbolos de força e proteção espiritual.

Há mais de 30 anos, a Casa de Umbanda do Centro Espirita Oxalá Laura de Vicuña, situada na rua Tenente Eulálio Guerra, no bairro Santa Helena, em Cuiabá, realiza anualmente, no dia 20 de janeiro, uma grande homenagem aos Orixás Oxóssi e São Sebastião, marcando também o início dos trabalhos da Casa. A festa começa por volta das 18 horas, e o salão nobre fica sempre lotado de devotos e visitantes. Para a celebração de 2025, o guia chefe da linha de caboclos, Ubirajara Peito de Aço, foi o responsável por coordenar os trabalhos na linha dos caboclos, dando continuidade a essa tradição espiritual.

Festa

Ao som dos atabaques, instrumentos sagrados que invocam a espiritualidade das linhas de Umbanda, os “pontos cantados” marcam o início dos trabalhos. De acordo com Osmar Junior, filho da casa, esses pontos são manifestações de louvor, orações e energias espirituais transmitidas pelos guias, acompanhadas pelo ritmo dos atabaques.

As linhas de trabalho na Umbanda são agrupamentos de entidades espirituais que atuam de maneira específica dentro dos rituais e práticas da religião. Segundo Junior, “cada linha é formada por entidades que possuem características e funções espirituais semelhantes, e seu propósito é oferecer proteção, cura, orientação e apoio espiritual, de acordo com as necessidades e desafios de cada pessoa”.

No início da celebração, todos foram convidados a se unir em uma corrente de respeito às entidades que estavam chegando. “A corrente é formada pelas pessoas lado a lado. No começo do evento, saudamos os orixás, Exu, Pomba Gira e as sete linhas de Umbanda, e essa saudação também acontece no encerramento”, explicou Junior.

Segundo Junior, cada centro espírita de Umbanda possui suas próprias tradições e rituais. No centro de Dona Ana, os Orixás são venerados como as principais figuras responsáveis pelas falanges de trabalho. Ele explicou: “Oxum é um Orixá, Pombagira é uma linha de trabalho”. Na casa Ana Maria Vicuña, a linha predominante é a dos pretos velhos, que têm a função de iniciar os rituais, conhecidos como “giras”.

Na Casa de Dona Ana, a gira é iniciada por aqueles responsáveis por orientar e proteger a Casa, os pretos velhos e as pretas velhas. Os líderes do terreiro são Tia Maria, do Tambor de Mina, e Chico Preto Africano, dão as boas-vindas e expressam sua gratidão pela presença de todos.

Depois dos cumprimentos e uma homenagem especial a Tia Maria, os pretos e pretas velhas se acomodam em banquinhos baixos e pequenos tamboretes, prontos para iniciar os atendimentos.

A cena nos transporta para um passado distante, onde, provavelmente, eles se reuniam em vidas anteriores. Com cachimbos nas mãos, tranquilos e respeitosos, entre um atendimento e outro, trocam palavras ao pé do ouvido, como se compartilhassem histórias e sabedoria que atravessam gerações. Sua postura inclinada, o olhar atento e o cuidado minucioso em cada gesto durante o atendimento nos fazem sentir que, mais do que nunca, estão cumprindo uma missão de amor e auxílio, como se o tempo fosse apenas uma continuidade serena de uma jornada infinita.

Após os pretos e pretas velhas finalizarem seus atendimentos e se desincorporarem, foram chamados os Caboclos da Mata, que trouxeram consigo a força das florestas, para realizar a louvação, benzimentos e proteção das frutas e flores.

A cabocla Jurema, uma grande líder espiritual da linha dos Caboclos da Mata, também esteve presente, irradiando sua luz e sabedoria.

Os trabalhos são realizados através das rodas, que remetem às tribos e agrupamentos indígenas. O círculo formado é um rito da linha de Caboclo representando a maneira como eles atuam, simbolizando a união e a força coletiva que orienta e protege.

Embora em dias de Festa, segundo informou Junior, não aconteçam atendimentos, naquele dia a Casa abriu uma exceção, e cada linha que chegava atendia os presentes que assim desejassem.

Depois da saudação da presença das linhas dos pretos e pretas velhas e das e dos caboclos da Mata foram distribuídas frutas, flores, rosas e ofertado um jantar. 

Essa oferta tem um simbolismo, segundo Junior, “São Sebastião, como ensina a Mãe de Santo e os guias espirituais, é o santo da prosperidade, da fartura, do combate da fome, da guerra. Por conta disso, as frutas e verduras são benzidas e abençoadas pelos Caboclos da Mata para serem doadas para os consulentes”, disse.

Sobre Oxóssi

Oxóssi é o orixá das florestas, da caça e da fartura, simbolizando a precisão e a sabedoria estratégica. Conhecido como o “guerreiro de uma flecha só”, ele representa o trabalho, a família e o compartilhamento. Sua importância histórica se reflete na diáspora africana, influenciando culturas no Brasil e na América.

Seu símbolo é o ofá (arco e flecha), e sua saudação, “Okê Arô”, faz referência à linhagem nobre do povo de Ketu, na Nigéria. “Okê Arô” significa “o grande da família Arô”. Outra saudação usada é “Arolé”, onde “Arô” mantém o mesmo significado.

* Fátima Lessa é jornalista (UFMA) e mestra em política social (UFMT)

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