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Suicídio na PM-MT, uma triste realidade que precisamos enfrentar

Fátima Lessa*

Foto: PM-MT

A Polícia Militar, sempre vista como o braço violento do Estado, enfrenta um paradoxo sombrio: enquanto é responsável por manter a ordem e a segurança pública, seus integrantes lutam contra uma epidemia silenciosa de suicídios. Em Mato Grosso, os índices de suicídio entre policiais militares acendem um alerta e revelam um cenário preocupante que se entrelaça com o estigma das doenças mentais e o estresse crônico que acompanha a função.

O peso das expectativas sociais, aliado ao trauma constante da violência, molda uma realidade em que a saúde mental muitas vezes é negligenciada. Essa situação reflete a necessidade urgente de desconstruir preconceitos e promover um ambiente de acolhimento e apoio.

Foi nesse contexto de tensão e impacto na saúde mental dos policiais militares que surgiu a motivação para escrever este artigo. O objetivo não é criticar a instituição, mas dar visibilidade a um problema que afeta os policiais, suas famílias e colegas de farda.

Setembro, conhecido como Mês Amarelo, trouxe mais uma vez à tona a questão do suicídio, que é amplamente reconhecida como um tema desafiador, especialmente nas instituições de segurança pública. Durante muito tempo, as mortes por suicídio não eram divulgadas na imprensa, pois acreditava-se que a exposição poderia incentivar novos episódios. Hoje, entendemos que o silêncio em torno do tema cria a falsa impressão de que ele não existe.

Então vamos lá: os dados do último Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgados em julho pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), mostraram um cenário alarmante: em 2023, o número de suicídios entre policiais civis e militares aumentou em 26,2% em comparação ao ano anterior. Pela primeira vez, os suicídios entre policiais militares superaram as mortes em confrontos, tanto em serviço quanto fora dele. Vale ressaltar que o FBSP começou a incluir os casos de suicídio de policiais civis e militares ativos em seu Anuário a partir de 2018.

Podemos afirmar que, em Mato Grosso, as mortes autoprovocadas chegam ao conhecimento público apenas quando se tornam manchetes. Em alguns casos, as autoridades tentam ocultar esses fatos, possivelmente para não expor o adoecimento desses agentes.

Especialistas sustentam que, por trás do suicídio de cada policial militar, há fatores sociais, como a pressão psicológica, o estigma e a falta de recursos para o cuidado da saúde mental, a violência cotidiana e a sobrecarga emocional . Além disso, existe uma realidade social que inclui a cultura do silêncio sobre saúde mental, o estresse crônico e a falta de suporte institucional.

A socióloga Maria Cecília Minayo, pesquisadora emérita da Fundação Oswaldo Cruz, afirma que a Polícia Militar é uma das profissões mais estressantes.

Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostram que o índice de suicídio entre policiais é três vezes maior que em outras profissões.

Desconsiderar esses números e não dar a devida visibilidade a eles não protege os policiais; na verdade, essa omissão gera a falsa impressão de que o problema não existe, agravando a situação daqueles que necessitam de ajuda. O silêncio só serve para intensificar a sensação de solidão e inadequação.

Para evitar novas mortes, é fundamental monitorar a saúde mental dos profissionais de segurança pública e tornar públicos os dados sobre vitimização policial. Essa é a posição de Juliana Martins, psicóloga e coordenadora institucional do FBSP, e de Juliana Lemes da Cruz, doutora em Política Social pela UFF, conselheira do FBSP e cabo da Polícia Militar de Minas Gerais, publicada na 17ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

No estado de Mato Grosso, o tema foi abordado cientificamente pela primeira vez em 2022 pela acadêmica de enfermagem Luana Aparecida Gomes da Silva, em seu estudo intitulado “Aspectos relacionados à tentativa de suicídio entre os profissionais de segurança pública militar do município de Cuiabá, Mato Grosso”.

Foram entrevistados, por meio da aplicação do questionário SRQ-2, 179 policiais militares não clínicos. O SRQ-2, desenvolvido pela Organização Mundial da Saúde, tem como objetivo identificar possíveis problemas de saúde mental, como ansiedade e depressão.

Os dados da pesquisa de Silva (2022) revelam informações alarmantes e frequentemente ignoradas sobre os policiais de Mato Grosso. Embora a sociedade os rotule como violentos, muitas vezes esquece de que são seres humanos, pais, filhos, casados.

A maior parte dos entrevistados por Silva (69,1%) relatou sentir tristeza durante o trabalho. O estudo indicou que 50% apresentaram transtornos mentais, e entre eles, 12,3% já tiveram pensamentos suicidas. Cerca de 30% consideraram a possibilidade de se suicidar, refletindo um profundo sofrimento psicológico frequentemente ligado a transtornos mentais e crises emocionais.

Do grupo estudado, 33% já buscaram tratamento psicológico; 67% nunca passaram por atendimento especializado, mas, entre este grupo, 36,3% fazem uso de medicação controlada. Além disso, cerca de 18,4% já precisaram se afastar das funções devido a problemas de saúde mental.

Embora haja uma resistência em obter dados diretamente da instituição, é possível encontrar informações através da imprensa. Em 2017, o MPMT entrou com uma ação na Justiça para garantir que o estado mantenha um programa de atendimento psicológico para policiais militares.

No contexto da vitimização de policiais militares, é crucial que a discussão não se restrinja apenas àqueles que perdem a vida, mas, sobretudo, inclua os que adoecem como consequência de suas atividade

 

*Fátima Lessa é jornalista (UFMA) e mestra em política social (UFMT)

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