COLUNA

Francisca Medeiros

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As ameaças à filantropia verde

Foto: Freepik

A preservação ambiental e a sustentabilidade não estão entre as prioridades das ações de filantropia no Brasil. A educação recebe, em média, 70% das doações e os 30% restantes são divididos para saúde, meio ambiente, esporte e cultura. Uma das dificuldades para alavancar a filantropia verde é vencer o ambiente de desconfiança criado por narrativas que demonizam as Organizações da Sociedade Civil (OSCs) que, muitas vezes, fazem a captação de doações para projetos de interesse ambiental.

Na proteção ao meio ambiente há certamente muitas outras razões e consequências dos baixos investimentos, sejam públicos, privados ou filantropos. Pode-se falar, por exemplo, do desmantelamento e do enfraquecimento da estrutura de fiscalização governamental, como ICMBio e Ibama, que dão brecha para crimes como o desmatamento ilegal, os incêndios florestais e o garimpo.

As constantes ameaças à demarcação de terras indígenas e quilombolas também colocam freios à preservação ambiental, assim como a disputa ávida de diferentes setores econômicos por recursos naturais como terra, água e minérios, muitas vezes sem o mínimo respeito às leis. E se a lei “atrapalha”, é só mudá-la com a chancela do Congresso Nacional que dá mostras de pouco apreço por um meio ambiente ecologicamente equilibrado, de uso comum do povo e essencial para uma vida sadia, como prevê a Constituição.

É notório que vozes com poder econômico e político amplificam a tentativa constante de desmoralizar ativistas ambientais, incluindo as ONGs que, muitas vezes, são tratadas como agentes teleguiados por “interesses externos”. Vale lembrar que em 2023 o Senado Federal instalou uma CPI que investigou as atividades de ONGs financiadas com dinheiro público na Amazônia.

Um monitoramento realizado, à época, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, constatou que grupos organizados atuaram fortemente para criar polêmica, inverter fatos e influenciar o debate público. E um estudo da FGV Comunicação Rio, que analisou o debate digital sobre esta temática no X, no Facebook, no YouTube, no Instagram, no WhatsApp e no Telegram, entre janeiro e outubro de 2023, mostrou que na rede X, por exemplo, 63% das postagens eram de críticas ou ataques a ONGs e apenas 9% eram positivas. Nos aplicativos móveis o que sobressaiu foram as teorias de conspiração e ataques a ONGs ambientalistas e indígenas.

Fica o registro de que a CPI não identificou crimes cometidos pelas ONGs investigadas e, entre as recomendações do relatório final, constou o aperfeiçoamento de regras de transparência e governança dessas organizações.

São, enfim, muitos os entraves que acabam distanciando quem pode doar e quem precisa de apoio lá na ponta, especialmente nas comunidades mais vulneráveis, como os assentados, os indígenas e os quilombolas, grupos que enfrentam ainda com mais intensidade os impactos dos extremos climáticos.

E é importante deixar claro que a filantropia não substitui os governos, as políticas públicas ou a responsabilidade social de empresas e indivíduos. Mas há espaço para aumentar a filantropia ambiental, o que é desejável diante dos desafios gigantes para que o país avance na proteção adequada dos recursos naturais.

Há a expectativa de que a Reforma Tributária, quando entrar em vigor, consiga estimular a cultura de doação no Brasil com a redução da carga tributária. Atualmente, sobre as doações é cobrado o Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), que é de competência estadual, cuja alíquota é variável e chega a 8%. A Reforma vai desonerar as doações feitas para e por instituições de interesse público.

Também tramita no Congresso uma proposta (emenda 22 ao PLP 108/2024) para autorizar os estados a criarem incentivos fiscais no ITCMD para doações e transmissões causa mortis de bens e direitos a universidades, hospitais e museus públicos e a instituições sem fins lucrativos de relevância pública e social.

Sob a ótica da economia nacional, o terceiro setor tem um peso grande, representa 4,27% do PIB, emprega mais de 6 milhões de pessoas e movimenta R$ 402 bilhões por ano em valor de produção. Seu fortalecimento interessa, portanto, a toda a sociedade.

Uma curiosidade: existe um indicador mundial que afere a generosidade global das pessoas físicas e ele tem mostrado que nos países mais pobres a generosidade é maior. O World Giving Index mostrou que, em 2024, a Indonésia ocupou, pelo sétimo ano seguido, o topo desse ranking. Lá, 90% doaram dinheiro e 65% dedicaram algum tempo ao voluntariado. O Brasil alcançou a 86ª posição com o envolvimento de 65% das pessoas em atos de doação a terceiros. Nessa pesquisa foram entrevistadas mais de 145 mil pessoas em 142 países e os dados mostraram que 4,3 bilhões de pessoas contribuíram com doações, voluntariado ou auxílio a desconhecidos.

E o World Giving Report 2025 pesquisou pela primeira vez a generosidade dos países com base na proporção da renda destinada a doações em geral. Neste quesito, o Brasil ficou na 48ª posição, com a média de 0,93% da renda dos brasileiros destinada a causas socioambientais. A Nigéria liderou o ranking, seus cidadãos destinaram 2,83% de sua renda para causas públicas. E o contraponto ficou com França (0,45%), Alemanha (0,39%) e Japão (0,16%). Os Estados Unidos chegaram a 0,97%, ocupando a 46ª posição.

Essa pesquisa, que ouviu mais de 50 mil pessoas em 101 países, detectou ainda que os brasileiros preferem doar para organizações locais e nacionais, um indicativo de que é uma opção que traz maior proximidade com as organizações e causas apoiadas.

A filantropia não deve ser confundida com caridade – também louvável -, mas que, em geral, é feita de ações pontuais diante de situações emergenciais, como pandemias, enchentes, secas e acidentes. A filantropia precisa ter como objetivo a transformação social, o combate a problemas estruturais, e deve passar longe do paternalismo. São os beneficiários que sabem o que é melhor para si e que devem se empoderar, tomando nas próprias mãos os seus destinos.

 

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