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Francisca Medeiros

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Aterro zero, por que não?

A Lei de Incentivo à Reciclagem, agora regulamentada por decreto presidencial, pode ajudar o país a avançar em um enorme e urgente desafio, o de alcançar o status de ‘aterro zero’. Difícil? Certamente que sim. Mas pelo menos do ponto de vista legal há instrumentos mais claros para esta jornada necessária que envolve poder público, empresas e toda a sociedade.

Em retrospecto, vem de longe a preocupação com a geração de resíduos poluidores e que reflete o mau uso dos recursos naturais. O conceito de aterro zero começou a ser formalizado há mais de meio século e, hoje, a Zero Waste International Alliance (ZWIA) o define como ‘a conservação de todos os recursos por meio da produção, consumo, reutilização e recuperação responsáveis de produtos, embalagens e materiais sem queima e sem lançamentos na terra, na água do mar ou no ar que ameacem o meio ambiente ou a saúde humana’.

Aterro zero, portanto, pode ser entendido também como lixo zero, resíduo zero e, o mais importante, desperdício zero. Não significa que, ao fim do processo de produção e de consumo, não se gere nada para descarte. Tecnicamente, o status de aterro zero é alcançado quando se evita que, pelo menos, 90% dos resíduos produzidos sejam descartados ou incinerados.

A regulamentação da Lei de Incentivo à Reciclagem (LIR) prevê benefício fiscal à cadeia produtiva. O governo federal anunciou, em julho, um pacote de ações que totalizam R$ 425,5 milhões, dos quais R$ 300 milhões em incentivos tributários concedidos pelo Ministério da Fazenda via Ministério do Meio Ambiente. Daí que a Lei 14.260/2021 já recebeu o apelido de ‘Lei Rouanet da Reciclagem’.

Ela tem o mesmo papel da lei que estimula os eventos culturais. Pessoas físicas e jurídicas poderão direcionar parte do seu Imposto de Renda para dar suporte a projetos de reciclagem. Quem investir em projetos de redução, reutilização e reciclagem poderá deduzir um percentual do imposto devido.

O objetivo é aumentar os investimentos no setor, incluindo a organização dos catadores, grupo que envolve no país mais de 800 mil pessoas, fortalecendo e estruturando cooperativas e associações. Além do impacto ambiental e na saúde das pessoas, espera-se que aumente também a geração de emprego e de renda.

Para ter acesso aos recursos, os projetos precisam ser aprovados por órgãos competentes. Depois de aprovados, poderão receber dinheiro de empresas e pessoas comprometidas com a questão. Serão monitorados e avaliados  segundo os resultados obtidos, como acontece em projetos financiados por incentivos fiscais.

A relação de uma política de aterro zero com a preservação do planeta é direta. Estudos especializados dão conta de que as emissões globais de gases nocivos à atmosfera podem ser reduzidas em até 20% somente com a destinação adequada dos resíduos sólidos.

O Banco Mundial estima que cada habitante do planeta produz, em média, todos os dias, 740 gramas de resíduos sólidos e que até o ano que vem este volume aumente para 1,25 kg/pessoa. E como o consumo é desigual no mundo, tem gente que contribui mais para a dilapidação dos recursos naturais, para a poluição e o desperdício.

Os países desenvolvidos, que respondem por 16% da população mundial, geram 34% dos resíduos globais. Mais dados explícitos desta desigualdade: a coleta de lixo cobre 90% dos países desenvolvidos e apenas 44% dos países da África Subsaariana.

No Brasil, a Associação Brasileira de Limpeza Pública e Resíduos Sólidos (Abrelpe) calcula que pouco mais de 60% destes resíduos seguem para aterros sanitários. Além da destinação adequada, o avanço real será quando se reduzir significativamente o volume do que vai parar nesses locais, que nem precisarão mais de tantas ampliações. Entre as medidas para estimular esta mudança está o uso de matérias-primas e insumos de materiais recicláveis e reciclados.

Já se vão 14 anos desde que o Brasil ganhou uma lei federal para regular este segmento. Além do manejo, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRL) inclui o reforço de uma ferramenta educativa, chamada de 5Rs, para atingir a meta de diminuir o impacto do consumo sobre o meio ambiente. É uma ordem lógica que inclui mudança de comportamento seguida de ação: reduzir, repensar, recusar, reutilizar e reciclar.

O conjunto recente que regula as medidas legais criadas pode melhorar o ambiente de valorização da cultura e do negócio da reciclagem. Ele inclui a criação do Fundo de Apoio para Ações Voltadas à Reciclagem (Favorecicle) e dos Fundos de Investimentos para Projetos de Reciclagem (ProRecicle).

O arcabouço legal brasileiro neste segmento está mais robusto, sem dúvida. Mas é a implementação que vai diminuir, de fato, a pegada ambiental e a dependência do uso intensivo de recursos naturais, que são finitos. Com leis que estimulam a produção e o consumo sustentáveis, o ciclo de vida dos produtos e materiais pode se tornar mais longo. E a reciclagem passará a ser vista como uma cadeia de valor estratégica para o desenvolvimento econômico e para a gestão ambiental.

Mas, para surtirem o efeito esperado, todos estes instrumentos de regulação precisam ser fortalecidos por educação ambiental permanente e pela viabilização econômica e financeira dos empreendimentos que não podem deixar de envolver grupos mais fragilizados como são os catadores de resíduos, por exemplo. Só assim o conceito de economia circular fará sentido na prática, gerando riqueza a ser compartilhada de uma forma mais justa. A ‘Lei Rouanet de Reciclagem’, se bem aplicada, poderá ter parte importante neste desafio que é de toda a sociedade.

* Os textos das colunas e dos artigos são de responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a opinião do eh fonte.

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