Boi na sombra
Em condições naturais, gramíneas, cipós, árvores e bichos dividem o mesmo território e essa coexistência faz sentido e é útil para todos. O sistema produtivo que se inspira um pouco nisso é a integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF) que, em Mato Grosso, é objeto da maior pesquisa já feita no mundo e cujos resultados do primeiro ciclo de 12 anos de experimentos chegam aos produtores. Quem lidera este trabalho é a Embrapa sediada em Sinop.
Esta primeira unidade da empresa federal de pesquisa em Mato Grosso, implantada em uma área de 602 hectares, nasceu com a vocação de investigar como funcionam as interrelações entre o cultivo de grãos em meio a espécies arbóreas para a produção de madeira e pastagens para alimentar os bovinos. Além dos parâmetros técnicos de produção e de produtividade de cada atividade e do conjunto, o modelo também estuda o impacto na mitigação das emissões de gases de efeito estufa (GEE).
As pesquisas da Embrapa Agrossilvipastoril começaram em 2009, mas a sede da empresa só foi inaugurada três anos depois, já com 29 projetos aprovados. É uma construção bonita inspirada no barroco brasileiro em que os espaços integrados valorizam o conforto térmico. Parte da madeira usada na construção foi fruto de apreensões em fiscalizações do Ibama. A cada tronco de itaúba usado, a Embrapa plantou outra muda da mesma espécie.
Ao longo deste tempo foram desenvolvidas pesquisas em diferentes áreas e com parceiros variados, como Empaer, Fapemat, CNPq/UFMT, prefeituras e associações de produtores. Há trabalhos, por exemplo, com gergelim, soja, aproveitamento de resíduos para novos usos e sobre emissões de GEE. As transferências de tecnologia, ou seja, o benefício que chega à ponta, estão distribuídas em todo o estado.
O trabalho de integrações de cultivos, à luz de critérios científicos e rigor estatístico, é liderado pelo pesquisador e doutor em agronomia, Maurel Behling. A espécie arbórea utilizada foi o eucalipto, de crescimento rápido, de múltiplo uso e cujas técnicas de cultivo são amplamente conhecidas da ciência.
Numa área de 72 hectares, foram testados arranjos distintos: lavoura-floresta (ILF), pecuária-floresta (IPF), lavoura-pecuária (ILP) e tudo junto, o ILPF. E todos foram comparados com o tradicional sistema de monocultura.
Os resultados se revelaram mais animadores na criação de gado e na produção de madeira. Na pecuária, o sombreamento proporciona mais bem-estar e reduz o consumo de água pelos animais, garantindo também melhor peso dos bezerros no desmame.
O impacto apareceu também no ganho de peso dos bovinos de corte. No início do experimento, a média era de 4 arrobas/hectare/ano em Mato Grosso e, no país, de 5 arrobas/hectare/ano. Com as integrações, se chegou ao ganho de até 42 arrobas/hectare/ano.
Outras vantagens elencadas pelo estudo foram a precocidade no ciclo reprodutivo dos animais e a possibilidade de se atingir mercados exigentes em carne de baixo carbono. Do ponto de vista do solo, houve aumento da taxa de infiltração de água, menor perda de nutrientes e, para o meio ambiente, o aumento dos estoques de carbono nas partes aéreas (folhas, caule e galhos) e nas raízes.
Já na produção de grãos, não foram registrados ganhos significativos de produtividade e a recomendação da pesquisa é que a entrada destas culturas se dê apenas nos anos iniciais, até os três anos. Depois, o sombreamento atrapalha.
Behling ressalta que cada produtor deve considerar suas particularidades e qual o objetivo claro ao adotar algum dos sistemas de integração, além de estar atento ao que o mercado quer. O eucalipto já dá corte a partir de seis anos para biomassa de caldeiras da agroindústria ou para celulose. Se for para móveis, precisa atingir pelo menos 12 anos. A madeira tratada é usada também em mourões de cerca, postes e na construção civil.
O próximo ciclo de pesquisa da Embrapa Agrossilvipastoril vai incluir outra espécie arbórea, a teca, que tem mais valor de mercado e é usada em móveis. Um dos problemas é que, no período seco, ela perde folhas e diminui a sombra. O tempo de maturação também é mais longo, podendo ultrapassar 20 anos.
Uma das recomendações do pesquisador Maurel Behling é que, no caso dos pequenos produtores, pode-se incluir na integração espécies de árvores nativas que rendem receita anual, como o baru e o pequi.
O certo é que quando se produz coisas diferentes em uma mesma área, diminuem os riscos da atividade em geral. Aumenta a resiliência à estiagem e diversifica as fontes de receita. Em tempos de emergência climática, é bem-vinda a cautela de não se colocar todos os ovos numa mesma cesta. E onde se planta árvores, colhe-se riqueza, sombra, abrigo e bem-estar.
Este estudo sobre as potencialidades das integrações de atividades valida a importância do olhar técnico com viés mais preservacionista que traz reflexos positivos a médio prazo.
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