Casarões ‘derretendo’ em Cuiabá com descaso político
O estado de deterioração do Centro Histórico de Cuiabá, evidenciado por casarões abandonados e sustentados por escoras devido ao risco iminente de desabamento, reflete a prolongada negligência do poder público. Apesar de Cuiabá ter recebido recursos do programa PAC Cidades Históricas, criado em 2013 no âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), dos dez imóveis contemplados apenas dois foram concluídos.
A execução integral das obras do PAC Histórico é uma das diretrizes propostas pelo movimento liderado pela Associação Muxirum Cuiabano, em parceria com a Academia Mato-Grossense de Letras e o Instituto Histórico. Uma carta contendo as principais diretrizes foi elaborada e direcionada aos pré-candidatos à prefeitura de Cuiabá nas eleições municipais de 2024.
Um exemplo de casarão “inacabado” e beneficiado pelos recursos do PAC é o localizado na Rua Pedro Celestino, 79, designado como escritório de gestão do Centro Histórico e pertencente à prefeitura de Cuiabá. Para esse imóvel foram disponibilizados R$ 594 mil na época. Porém, atualmente, o casarão está fechado, pichado e com cadeado na porta, sem o telhado original e com o fundo tomado pelo mato.
“É preocupante ver o abandono e não saber o que se passa lá dentro”, desabafa a comerciante Alexandra Silva, ao observar várias casas na mesma rua em situação semelhante.
Para as obras foram disponibilizados R$ 10 milhões. A prefeitura informou que utilizou cerca de R$ 3 milhões até o ponto em que foram paralisados os trabalhos e ainda não foi possível realinhar o aspecto financeiro. Em nota, alegou que houve restauros que “revelaram defeitos durante a execução que não eram visíveis antes do início dos trabalhos”. Também destacou que muitas obras foram interrompidas devido à pandemia de Covid-19 em 2020, e que vários recursos foram recebidos antes da primeira gestão de Emanuel Pinheiro em 2017.
Em evento no início de março, para a entrega do documento aos pré-candidatos, o único presente foi o deputado estadual Carlos Avallone (PSDB). O deputado federal Abílio Brunini (PL) foi representado pelo arquiteto e urbanista José Antônio Lemos e na ausência de Eduardo Botelho (União), o deputado Beto Dois a Um (PSB) se voluntariou para representá-lo.
Beto, ex-secretário de Cultura tanto na prefeitura quanto no governo do estado, reconheceu a necessidade de mais união e vontade política. “O próximo prefeito precisa ter vontade de resolver o problema, o que não tivemos nos últimos tempos”, afirmou.
No evento na Casa Barão de Melgaço, um dos imóveis restaurados com recursos do PAC, a ausência dos pré-candidatos foi notória e reforçou a percepção de desinteresse dos atuais pré-candidatos em buscar soluções para o problema.
Ernane Calháo, presidente do Muxirum, destacou não apenas a deterioração dos imóveis, mas também os problemas de segurança, o aumento de moradores de rua na região e a necessidade de fortalecer a economia local com incentivos fiscais. “Se há incentivos fiscais para o agronegócio, por que não para atividades de preservação do patrimônio neste quadrilátero?”, questionou.
Uma proposta nesse sentido já foi apresentada ao governador Mauro Mendes. Para que o Centro Histórico seja viável, é preciso fomentar uma economia criativa baseada no capital intelectual e na inovação, a exemplo do que ocorre em outras capitais, como Rio de Janeiro, São Paulo e Recife.
A artista e cineasta Glorinha Albuês criticou a ausência dos pré-candidatos e expressou seu cansaço com promessas não cumpridas. “Se fosse outro tipo de reunião, de interesse para certas classes, eles estariam aqui”, lamentou, referindo-se aos pré-candidatos, todos convidados independentemente de definições partidárias.
A luta pela preservação do patrimônio histórico exige ação proativa. Recentemente, o Ministério Público Estadual promoveu uma reunião para debater o tema. O procurador de Justiça Edmilson da Costa Pereira, responsável pela área de Patrimônio, enfatizou a necessidade de pautar questões do setor não apenas na reação a um problema. “Eu estou agora provocando as promotorias específicas para determinadas demandas. Mas não podemos ter uma visão de curto prazo. É preciso mudar os paradigmas de atuação”, afirmou.
Há um ponto unânime: é preciso novos mecanismos e ação. Se a classe política não se engaja, cabe à sociedade cobrar e buscar soluções. Entre os escombros, ainda há casas seculares que resistem ao abandono e preservam elementos da identidade cuiabana.
Às vésperas de celebrar 305 anos de história, em 8 de abril, Cuiabá merece ter sua trajetória valorizada.
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