Congresso avança sobre Orçamento de 2024 e isso não é bom
O ritual se repete a cada final de ano e, em especial, em anos que precedem uma eleição. Os congressistas eleitos por nós pressionam para garantir mais e mais recursos para suas bases no Orçamento federal. Este ano não está sendo diferente.
Na discussão do Orçamento de 2024, o Congresso destinou R$ 53 bilhões para as emendas parlamentares, sendo R$ 37 bilhões para as emendas impositivas, aquelas cujo pagamento é obrigatório. E ainda fixou prazo para a execução dessas emendas. De olho nas eleições municipais, quer que os recursos sejam empenhados, ou seja, reservados no Orçamento, já no primeiro semestre.
A pressão do Congresso para ter mais controle sobre o Orçamento não é nova, mas cresceu muito nos últimos anos, em especial no governo anterior, onde as emendas parlamentares eram moeda de troca explícita para blindar o presidente da República.
Estudo publicado pelo jornal O Globo mostrou que o valor disponível para os parlamentares direcionarem a seus redutos eleitorais mais que dobrou nos últimos dez anos. Em 2024, cada deputado terá direito a R$ 37,8 milhões em emendas individuais e cada senador a R$ 69,6 milhões. Sem contar as emendas de bancada e as emendas de comissão que também engordam esses redutos.
Mas o avanço do Congresso sobre as verbas do Orçamento não para por aí. Há ainda o aumento dos recursos públicos para o fundo eleitoral, o chamado Fundão, usado pelos partidos para financiar as eleições municipais. O governo reservou R$ 900 milhões para o fundo na proposta orçamentária de 2024 e os parlamentares elevaram esse valor para R$ 4,9 bilhões, quase o dobro do montante de 2020, última eleição municipal, quando foram gastos R$ 2,5 bilhões, em valores corrigidos.
O economista Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper e especialista em contas públicas, menciona em um trabalho também publicado em O Globo, que
o Brasil é um dos países onde o Legislativo mais interfere no Orçamento. O aumento do poder do Congresso brasileiro para definir o destino dos recursos públicos diverge, em larga escala, das práticas adotadas na maior parte do mundo, segundo o economista.
A recente derrubada do veto do presidente Lula à desoneração da folha, com votações expressivas contra o governo – incluindo o voto insólito do ministro da Agricultura, Carlos Fávaro – combinada com o aumento do valor das emendas parlamentares e do fundo eleitoral são sinais claros de que o Congresso avança a passos largos para controlar os recursos do Orçamento federal usurpando atribuições do Executivo. Vejamos de que forma isso ocorre na prática.
De um lado, ao manter a desoneração da folha de salários até 2027, cedendo ao lobby fortíssimo dos 17 setores empresariais beneficiados pela medida, o Congresso impôs ao governo uma renúncia de R$ 9,4 bilhões em receitas em 2024 e não indicou de onde sairão os recursos para cobrir esse rombo nas contas públicas, já que o governo, ao vetar a desoneração, estava contando com essa receita para cobrir outras despesas do Orçamento.
De outro, ao turbinar o valor das emendas e do fundo eleitoral, os parlamentares reduziram, na prática, a parcela do Orçamento destinada aos programas federais, como as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), por exemplo.
Com essa ofensiva, o Congresso reduz a capacidade do Executivo de direcionar os recursos do Orçamento para os municípios mais carentes e para obras consideradas prioritárias. Impede que o governo execute as políticas públicas da forma que planejou e considera mais adequada.
Do jeito que tem atuado, avançando sobre as verbas do Orçamento e sobre as atribuições do Executivo, o Congresso se comporta como se estivéssemos em um sistema semipresidencialista, onde o presidente eleito divide as funções do Executivo com um primeiro ministro indicado com base na correlação de forças no Congresso.
Ocorre que o sistema é presidencialista e cabe ao Executivo executar o Orçamento da União, enquanto que o papel do Legislativo é elaborar as leis e fiscalizar a execução orçamentária.
Se for para mudar o sistema, que se faça pelos caminhos legais, consultando a sociedade por meio de um plebiscito. O que não pode é o Congresso se valer de suas prerrogativas conquistadas por meio do voto para fragilizar um outro poder igualmente eleito de forma legítima.
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