COLUNA

Francisca Medeiros

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COP busca paz com a natureza

Foto: Reprodução/Logo COP16

 

Quem está sabendo que hoje começa a COP16 da Biodiversidade em Cali, na Colômbia? Dada a sua importância, é estranho que o evento comece sob um certo manto de invisibilidade e silêncio. O slogan é ‘Paz com a Natureza’, um objetivo urgente e que nunca pareceu tão distante. Os representantes dos 196 países-membros da ONU que participarem da conferência chegarão sabendo que estão atrasados com o dever de casa. Na edição de dois anos atrás, eles se comprometeram em restaurar de maneira efetiva 30% dos ecossistemas degradados e impedir extinções causadas pelo homem, entre outros compromissos.

O Marco Global da Biodiversidade, que é equivalente ao Acordo de Paris sobre o Clima, contém 23 metas a serem alcançadas até 2030 e mais quatro objetivos gerais para 2050. Ele prevê também a redução pela metade do uso de agrotóxicos e da introdução de espécies exóticas invasoras que afetam os ecossistemas. É preciso, para isso, mobilizar muito dinheiro e, até agora, os países ricos não colocaram a mão no bolso para apoiar efetivamente os países em desenvolvimento.

A maioria dos governos ainda não adotou meios para interromper e reverter a perda de biodiversidade e esta Conferência Entre as Partes vai discutir a implementação das metas locais. Os países signatários vão avaliar as Estratégias e Planos de Ação Nacionais de Biodiversidade (EPANB), que deveriam ter sido enviados com antecedência à organização da conferência. Até o fim de setembro, apenas 24 países tinham revisado suas EPANB e em torno de 70 tinham enviado suas metas locais. Até aquela data, o Brasil ainda estava entre os omissos nestas tarefas.

Todos os países enfrentam um desafio gigante para reverter a perda da natureza, que está sob a ameaça do aquecimento global, da poluição e de práticas destrutivas de várias ordens. A estimativa é que 70% dos ecossistemas do planeta já estão degradados e que um milhão de espécies têm a sobrevivência ameaçada. Até 2020 somente 17% das áreas terrestres e 8% das marítimas tinham o status de protegidas ou conservadas.

Nesta questão o Brasil tem um papel central porque é um dos 17 países megadiversos do planeta, cerca de 20% das espécies estão em território nacional. Somente o nosso Cerrado representa 5% da biodiversidade global e a Amazônia, outros 10%.

Restaurar e preservar a riqueza biológica do mundo custa caro. Em 2022, na última COP da Biodiversidade, em Montreal (Canadá), ficou combinado que, até 2025, seriam disponibilizados em um fundo de financiamento US$ 20 bilhões anuais para uso dos países em desenvolvimento e que, até 2030, o valor subiria para R$ 30 bilhões/ano. Criado há 15 meses, o fundo recebeu apenas US$ 243,8 milhões provenientes de sete países. A esta altura, as estimativas são de que a necessidade de recursos para proteger a natureza ultrapassa a casa dos trilhões de dólares.

Por motivos diferentes, governos e iniciativa privada estão dando muita atenção a um outro ponto: o sequenciamento digital dos recursos genéticos. O que ele envolve? Com as mudanças tecnológicas, já não é necessário o acesso físico aos recursos naturais (uma folha ou flor, por exemplo) para as pesquisas. As simulações e testes são feitos usando sequências genéticas armazenadas em bancos de dados digitais. Esta nova situação não está adequadamente prevista nos acordos que estão em vigor desde Nagoia (Japão), em 2010.

O que  os países megadiversos defendem especialmente é que haja uma revisão dos critérios para uso da biodiversidade em pesquisas e desenvolvimento de produtos. A ideia é que a companhia que usa esse patrimônio deve remunerar os países e as populações detentoras do recurso. As definições mais espinhosas que faltam são o como e quanto será pago por este ‘direito autoral da biodiversidade’ e como dividir os benefícios.

Participará do evento uma delegação com representantes de 43 empresas de 17 setores diferentes que atuam no Brasil, entre elas multinacionais como Bayer, Phillips Morris e Unilever. Vale, Petrobras, Natura, Itaú, Banco do Brasil, Eletrobras também estão no grupo.

O governo federal divulgou que mais de 20 temas estarão entre as discussões de que vai participar e que a ênfase será dada à falta de financiamento. Na mesa de negociações o Brasil pode mostrar que o desmatamento recente na Amazônia teve quedas significativas, que novas unidades de conservação foram criadas e homologados territórios indígenas. Mas ainda tem muitas mazelas a resolver, como a necessidade de prevenir com eficiência os incêndios florestais que atingiram proporção nunca vista neste ano.

A Colômbia teve pouco mais de um ano para organizar esta COP, assumiu após a desistência da Turquia que foi duramente atingida por terremotos em fevereiro de 2023. Brasil e Colômbia têm mais de 1.600 km de fronteira e compartilham a maior floresta tropical do mundo, a Amazônia. Em abril, o presidente Lula se encontrou em Bogotá com Gustavo Petro, o presidente colombiano, que confirmou a adesão à proposta brasileira apresentada na COP28 de criação de um fundo para proteção de florestas tropicais. E Petro aceitou integrar o comitê executivo da iniciativa. E talvez até em função da realização do evento global, o governo federal reinstalou, no último dia 17, a Comissão Nacional da Biodiversidade (Conabio) que deve ajudar a trazer a participação social para este debate vital.

A COP da Biodiversidade prossegue até 1º de novembro em Cali, antecedendo a COP29 Sobre Mudanças Climáticas que será realizada no Azerbaijão, com início duas semanas depois. As duas agendas, a da biodiversidade e a do clima, tratam de crises globais que estão intimamente interligadas, como irmãs siamesas. O desejo é que saiam destes dois eventos mais que protocolos de intenções, com suas metas e prazos nunca cumpridos. Há muita pressa de ver, na prática, iniciativas de maior proteção à biodiversidade. E que, à medida que forem implementadas, receberão todos os aplausos e as devidas luzes dos holofotes.

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