COLUNA

Regina Alvarez

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Desoneração da folha e a promessa de emprego que ficou só no discurso

Nos últimos dias, um assunto esteve presente no noticiário, sempre com viés favorável à medida. Me refiro à desoneração da folha de pagamentos, incentivo que beneficia 17 setores da economia desde 2012, com perda de arrecadação de R$ 139 bilhões para a União em dez anos. Só em 2023, o impacto nas contas públicas será de R$ 9,4 bilhões.

O assunto ganhou ainda mais destaque após o presidente Lula vetar a prorrogação do incentivo até 2027, aprovada pelo Congresso, já que pela lei em vigor a desoneração da folha acaba em 31 de dezembro de 2023. A decisão de Lula, amparada nos argumentos do Ministério da Fazenda, provocou uma ação coordenada pela derrubada do veto. Essa ação mobilizou os setores empresariais beneficiados pela medida, uma expressiva parte do Congresso e também da mídia, já que o setor de comunicações é um dos 17 agraciados com a desoneração.

Criado no governo de Dilma Rousseff, o incentivo tinha como objetivo aliviar a carga tributária das empresas em troca do aumento de empregos. Os setores beneficiados ganharam a opção de trocar a contribuição previdenciária patronal de 20% sobre a folha de salários por uma alíquota de 1% a 4,5% sobre a receita bruta da empresa, o que, na prática, significa pagar menos impostos.

Em troca do incentivo, os setores teriam que ampliar a oferta de vagas, o que contribuiria para reduzir o desemprego no país. Com essa equação, todos os lados sairiam ganhando. Mas a contrapartida não foi exigida formalmente do empresariado e ficou só na promessa.

Um estudo recente do IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada mostrou que no período de 2012 a 2022 os setores com folha desonerada reduziram sua participação no total de pessoas ocupadas, de 20,1% para 18,9%.Também houve queda no percentual de ocupados que são contribuintes da Previdência. Neste caso, de 17,9% para 16,2%. E os empregados com carteira assinada caíram de 22,4% para 19,7% nesses segmentos.

No período de dez anos analisado na pesquisa do Ipea, as empresas privadas de outros setores expandiram em 6,3% as vagas com carteira assinada, criando 1,7 milhão de empregos, enquanto as empresas desoneradas encolheram suas vagas em 13 %, o equivalente a menos 960 mil postos de trabalho.

O estudo também derruba o principal argumento dos segmentos desonerados, que se apresentam como “os setores que mais empregam no Brasil”. A análise, realizada com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua do IBGE, mostra que nenhum dos 17 setores desonerados aparece entre os sete que, juntos, empregam 52,4% dos trabalhadores no Brasil. São eles: comércio, exceto de veículos automotores e motocicletas; agricultura, pecuária, caça e serviços relacionados; educação; serviços domésticos; administração pública, defesa e seguridade social; atividades de atenção à saúde humana; e alimentação.

O pesquisador Marcos Hecksher, autor do estudo, chama a atenção para uma questão crucial que é o financiamento do sistema de Previdência, responsável pelo pagamento de aposentadorias e pensões do setor privado. Ele lembra que qualquer desoneração que afete as contribuições para a Previdência, como é o caso, precisam ser bem justificadas, pois o déficit atuarial (quando se projeta o déficit para o futuro) criado acaba sendo coberto por mais tributos sobre outros trabalhadores e empresas.

Ou seja, a Previdência precisa ser financiada com recursos das contribuições e se deixar de receber parte desses recursos, por conta de desonerações, terá que buscar outras fontes de receita para que o pagamento da minha, da sua, da nossa aposentadoria esteja garantido agora e no futuro.

O que chama a atenção nessa discussão e na forte pressão sobre o governo para manter os benefícios da desoneração da folha de salários são os dois pesos e duas medidas. O empresariado e o Congresso estão sempre prontos para criticar o governo quando se trata das contas públicas. Cobram o equilíbrio das contas, exigem cortes de despesas e formam coro a favor do déficit zero, mas quando se trata de defender incentivos para seus próprios negócios o discurso muda. Nesse caso, ninguém lembra que o caixa do Tesouro é um só.

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