Do VLT de Cuiabá só restou o voto
Em breve serão 10 anos da paralisação do VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) em Cuiabá e Várzea Grande. A obra teve apenas 18% dos trilhos colocados. Os 40 vagões do modal, estacionados ao relento também por todo esse tempo, estão agora sendo negociados com a Bahia, Rio de Janeiro e Pernambuco, que querem o VLT, ao contrário de Mato Grosso. Os cerca de R$1 bilhão investidos, entre 2012 e 2014, foram jogados fora, só para citar a consequência real e mais grave dessa longeva suspensão da obra.
Sim, o dinheiro público foi pelo ralo. Honra e honestidade de políticos escorreram juntos, houve corrupção por todo canto. O charmoso VLT, que funciona há décadas em cidades europeias, como Londres, Berlim, Madri e Porto, e mais recentemente nas brasileiras Rio de Janeiro e Recife, resultou em uma catástrofe para a tricentenária Cuiabá e sua vizinha Várzea Grande. Moradores de diferentes faixas etárias das duas cidades viram de perto, e sentiram, os impactos do fracasso do projeto para implantação dos trens.
Recordando rapidamente, por ter sido uma das sedes da Copa do Mundo de 2014, Cuiabá recebeu um pacote de investimentos, figurando entre eles um novo modal de transporte público. Autoridades estaduais da época, de acordo com as opções VLT e BRT (Bus Rapid Transit), escolheram o VLT, cujas obras começaram em 2012. Porém, em 2014 (com 6 km dos 22 km de trilhos implantados), a construção foi abandonada por disputas judiciais e corrupção, entre outras causas. Ou seja, o modal não se tornou um legado da Copa para Cuiabá.
Por dever profissional, acompanhei o vai e vem do VLT, incluindo as resenhas do tema quando abordado pelas campanhas eleitorais de Cuiabá de 2016 e 2020 e de Mato Grosso de 2014, 2018 e 2022, cujos candidatos majoritários sinalizavam promessas pela retomada da obra posta de lado. Mas, uma vez vitoriosos eleitoralmente, os gestores mudavam o rumo da prosa. Para quem tinha expectativa positiva do VLT de Cuiabá, como eu, só houve desapontamentos porque, concretamente, coisa alguma avançou na sua construção.
Estudos, análises, projetos, ações na Justiça (incluindo o Supremo Tribunal Federal), recursos ao Tribunal de Contas da União, protestos, plebiscito para a população dizer sim ou não ao VLT aprovado pela Câmara de Vereadores de Cuiabá, mas depois negado, tudo aconteceu, na esfera institucional, nessa quase década pós-paralisação da obra. Acho que até reza braba foi feita para fazer vingar o VLT. Nada adiantou.
Na prática, o protagonista do episódio foi sempre o executivo de Mato Grosso. Desde Silval Barbosa (2010 a 2015), passando por Pedro Taques (2015 a 2019) e chegando a Mauro Mendes (2019 a 2023), foram os governadores que deram as cartas a favor ou contra o VLT. Em segundo mandato, Mendes apresenta-se como um personagem contra. De seu lado, as Prefeituras Municipais ficaram apáticas, sem ter muito o que fazer diante daquela situação complicada do modal, que significava, afinal, um presente para Cuiabá e VG. Já os moradores, os que iriam usufruir do sistema, esses permaneceram à mercê das decisões governamentais.
Nessa perspectiva, argumentando, então, a corrupção que a obra envolvia, o governo da hora quitou dívidas do VLT com a União, buscou a aprovação de seu cancelamento por parte de um Conselho que nunca se reunia, e partiu para a licitação de um projeto que, no entendimento do atual gestor público, solucionaria o problema, qual seja, implantar o BRT no lugar do VLT. Isso foi oficializado em 2022. Não custa recordar que, em janeiro de 2021, Mauro Mendes já declarava que quem defendia o modal sobre trilhos era “malandro ou desatualizado”, acrescentando que “o VLT usa cabos semelhantes aos bondinhos de cem anos atrás, além de simbolizar a corrupção”.
Na ocasião, quem aguardava os trens do VLT em Cuiabá e não os ônibus do BRT, plagiando o título de um dos livros do escritor Paulo Coelho, “sentou à margem do rio Piedra e chorou”. O governo embirrou com o VLT e não ouviu, nem por uma simples consulta, os cuiabanos e várzea-grandenses sobre qual sistema de transporte público preferiam nas suas cidades. Meteu ‘goela abaixo’ o BRT, dizendo que o custo era menor, as passagens idem e que era um sistema top de linha. E acabou com a discussão, ou, no linguajar cuiabano, “trim trim fechou o balaio”.
Em vista disso, gastos públicos absurdos, transtornos da obra no trânsito para passageiros de ônibus e condutores de carros de Cuiabá e de Várzea Grande (imensuráveis e impagáveis), perdas para comerciantes (avenida da FEB/VG), acidentes até com morte em trechos da obra (irreparável) e os cortes das árvores nos canteiros das avenidas do CPA e da Fernando Corrêa (também irremediável) em Cuiabá transformaram-se em chocantes lembranças do VLT para os residentes nas duas cidades.
Daí que, aos cidadãos frustrados e constrangidos que foram (e são) defensores do VLT, só sobrou uma resposta a dar àqueles que surrupiaram sua implantação: o voto. É só ficar de olho nos candidatos a prefeito de Cuiabá (2024) e a governador de Mato Grosso (2026), tendo em mente que aqueles seguidores das linhas “não adianta discutir o que foi enterrado” e “o governo está cansado de ouvir ladainhas e firulas contra o BRT”, entre outras coisas ditas, devem ser prontamente descartados.
Fazer o quê, né não? Chumbo trocado não dói. Quanto à vergonha e à frustração, essas, aos poucos, vão passando. E quando nós, “malandros ou desatualizados”, ou nossos amigos e parentes, desembarcarmos no Aeroporto Marechal Rondon vamos de ônibus mesmo para casa!
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