Suspeita de lobby no STJ envolve eventos em Cuiabá e empresário investigado
Por Adriana Mendes
A Polícia Federal identificou possíveis conexões entre ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o empresário Haroldo Augusto Filho, um dos alvos da investigação de venda de sentenças no Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT). Segundo a reportagem de Aguirre Talento, publicada no jornal O Estado de S. Paulo nesta quinta-feira (17), a PF já concluiu um dos inquéritos envolvendo Haroldo e apontou que ele teria comprado decisões judiciais de dois desembargadores mato-grossenses envolvendo litígios sobre a posse de terras. Agora, investiga se Haroldo também tentou comprar decisões no STJ.
Um dos pontos da apuração envolve a participação do ministro João Otávio de Noronha em um evento promovido pela OAB de Mato Grosso, em abril de 2024, patrocinado pela empresa Fource, da qual Haroldo é sócio.
Noronha viajou de Brasília a Cuiabá em uma aeronave particular que, segundo documentos analisados pela PF, foi disponibilizada pelo empresário. O ministro afirmou ao jornal que o voo foi organizado pela OAB-MT e que se declarou suspeito no inquérito relacionado a venda de decisões no TJMT por ter participado do deslocamento no avião do empresário.
“Eu simplesmente entrei no avião, fui para Mato Grosso, fiz a palestra e voltei no outro dia, nada mais. E por indicação da OAB, que nos convidou, nos levou e arrumou tudo isso”, afirmou Noronha ao Estadão. A presidente da OAB-MT, Gisela Cardoso, informou que não sabe qual aeronave foi utilizada. Uma foto localizada pela PF no WhatsApp de Haroldo, enviada a um interlocutor, mostra o interior do avião.
A Fource também patrocinou outro evento da seccional mato-grossense da OAB em 2022, que contou com a presença do ministro Marco Buzzi. A investigação aponta trocas de mensagens entre Haroldo e a advogada Catarina Buzzi, filha do ministro, além de conversas sobre a organização de um jantar para Buzzi em Cuiabá, o que não chegou a ocorrer. (Veja abaixo os diálogos). O ministro nega ter relação com o empresário e afirma que viajou em voo comercial da empresa Azul pago pela OAB-MT.
A atuação da Fource em bastidores de disputas fundiárias em Mato Grosso levantou suspeitas sobre eventual influência em decisões judiciais. Um processo que tramita no STJ sob relatoria de Buzzi, e que será julgado pela Quarta Turma presidida por Noronha, envolve disputa de um terreno cujo antigo proprietário morreu. A Justiça de Mato Grosso entendeu que a prova dessa propriedade se baseava em um contrato falsificado após a morte dele.
As conexões vieram à tona após a análise do material apreendido com Haroldo durante a Operação Sisamnes. A empresa Fource, segundo a PF, não aparece formalmente como parte nos processos, mas atua por meio de advogados contratados. Procurado pela reportagem, o empresário Haroldo Filho não se manifestou.
Os ministros citados na reportagem não são formalmente investigados. “A PF ainda analisa se as citações aos ministros, em conjunto com outras provas colhidas, constituem indícios de irregularidades ou se tratavam apenas de tentativas do empresário para se aproximar das autoridades públicas”, diz o texto,
Relação com Zampieri
Toda a investigação está relacionada com os diálogos encontrados no aparelho do advogado Roberto Zampieri, assassinato em dezembro de 2023 em Cuiabá.
O relatório da PF, segundo a reportagem, cita que no dia 7 de outubro de 2022, às 16h48, Catarina enviou uma mensagem a Roberto Zampieri: “Dr. Roberto! Tomei a liberdade de pedir seu número ao Haroldo. Agora está na agenda. Foi um prazer reencontrá-lo. Catarina Buzzi”. O advogado respondeu: “Boa tarde Catarina. O prazer é todo meu. Obrigado”.
Mais cedo nesse mesmo dia, Zampieri havia perguntado a Haroldo: “Oi. Como se chama a filha do ministro?”. O empresário respondeu: “Catarina”.
A advogada Catarina Buzzi afirmou que Haroldo nunca lhe pediu para interceder junto ao ministro e disse que não atua em nenhum caso da relatoria dele.
Meses antes desse diálogo, o ministro Marco Buzzi viajou a Cuiabá. Ele foi participar de um outro evento da OAB sobre recuperação judicial, em 13 de maio de 2022. Nesse período, Haroldo conversou com Zampieri sobre a organização de um jantar para um ministro.
No final de semana anterior à viagem do ministro, Haroldo avisou a Zampieri que a data do encontro ainda estava sendo fechada porque dependeria de uma votação no STJ. “O jantar vai ser quinta ou sexta, tá? Por causa da votação no STJ. Aí eu vou te confirmar hoje se vai ser quinta ou sexta”, afirmou por mensagem de áudio.
Na véspera da palestra de Marco Buzzi em Cuiabá, Zampieri perguntou a Haroldo se o jantar havia sido cancelado.
“O jantar não vai ter não né?”. Haroldo respondeu: “Não vai. Ministro vai voltar mesmo dia”. Depois, o empresário disse a Zampieri que poderia marcar um encontro com o ministro em Brasília. “Vamos marcar um em Brasília”, afirmou. Zampieri respondeu: “Se conseguir seria bem legal. Acho difícil, mas tenta”. Diante da incredulidade de Zampieri, Haroldo respondeu que tinha relações com a família do ministro. “Com o ministro?? Sou amigo da mãe, da filha. Consegue sim”, disse a Zampieri.
Investigação
Em agosto de 2024, o CNJ afastou os desembargadores João Ferreira Filho e Sebastião de Moraes Filho, do TJMT, acusados de envolvimento na venda de decisões judiciais. As investigações apontam que eles recebiam dinheiro para favorecer processos. O caso levou à investigação de servidores de gabinetes no STJ.

Foto: Reprodução interior da aeronave do empresário Haroldo Augusto Filho
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