COLUNA

Sônia Zaramella

soniaz@ehfonte.com.br

Relatos e fatos, pessoais ou não, do passado e do presente de Cuiabá e de Mato Grosso.

Banner
Banner

Estiagem maltrata o Rio Cuiabá, salvo por Manso

Rio Cuiabá, em Bonsucesso/VG | Foto: Sônia Zaramella/eh fonte

Entra década sai década e já é natural o Rio Cuiabá ser objeto de atenção no período de seca. A situação de agora não é diferente, mas pode se agravar por causa da crise climática. Não há chuva significativa em Cuiabá há mais de 100 dias, com reflexo óbvio na vazão do rio que corre na cidade e leva seu nome. O monitoramento dos órgãos ambientais indicou o nível de 1,40 m do Rio Cuiabá nos dois últimos dias de julho, bem abaixo do nível de 5,27 m registrado no dia 1º do mês passado. Nessas situações de escassez, surge o Aproveitamento Múltiplo Manso (APM), cuja função é regularizar os ciclos de cheias e secas do Rio Cuiabá.

Segundo órgãos ambientais, a previsão sazonal para este trimestre de julho a setembro é de que as condições de seca devem persistir em todo Centro-Oeste, com vazões dos rios previstas para ficarem abaixo da média climatológica. Nesse contexto, o Rio Cuiabá, recentemente – de 27 de junho a 18 de julho – em meio à estiagem severa do ano, já recebeu uma vazão extra de água liberada por Manso. “Antes da usina, na época da seca a vazão do rio era de 80 m³ por segundo, aqui na capital. Com Manso, foi elevada para 167 m³ por segundo, lembrou, à coluna, o professor Rubem Mauro Palma de Moura, da UFMT.

A Usina localiza-se no rio Manso, principal afluente do Rio Cuiabá, que desagua no Rio Paraguai, formador do Pantanal. Com potência instalada de 210 MW, atende ao conceito de usos múltiplos do reservatório e da água. “Pode-se dizer que, na estiagem, cerca de 90% da vazão que corre no Rio Cuiabá aqui na cidade são liberados por Manso”, pontuou a pesquisadora Eliana Beatriz Nunes Rondon Lima, do Núcleo Interdisciplinar de Estudos em Saneamento Ambiental (NIESA) da UFMT. O reservatório de Manso atinge uma área de 427 km² nos municípios de Chapada dos Guimarães e Nova Brasilândia.

Revendo arquivos de textos jornalísticos de colegas a respeito do Rio Cuiabá, encontrei um de 27 de julho de 1998, publicado na Folha de São Paulo, de autoria da saudosa Joanice Pierini. Na reportagem, Joanice registrava que, por falta de chuvas, a capital vivia naquele mês a mais grave estiagem dos últimos 65 anos e que a régua do Rio Cuiabá havia marcado 7 cm acima do nível do mar, o índice mais baixo desde 1933, ano do início dos estudos fluviométricos e pluviométricos em MT. Frisava ainda no texto que os moradores diziam que “nas proximidades da ponte que une Cuiabá e Várzea Grande, já é possível atravessar o rio andando, com água no peito de um adulto”.

Agora, mesmo na seca, esse relato ficou no passado. “A realidade do rio é outra”, assinalou Rubem Mauro. “Um outro fator que é muito criticado por leigos, que é a retirada de areia pelas dragas, provocou um aprofundamento na secção transversal padrão do Rio Cuiabá, com influência negativa na medição da vazão. Uma prova disso é que essa ação aprofundou o leito do rio, fazendo serem dragadas também as praias da Ponte Nova, do Clube Náutico e a ilha do Saladeiro”, explicou o professor.

De seu lado, Eliana Beatriz apontou que outra consequência do aumento da vazão do Rio Cuiabá é o impacto positivo nas captações de água em toda extensão do rio. “O Cuiabá e seus contribuintes são responsáveis por mais de 90% do abastecimento da população em seu entorno”, apontou ela, caracterizando esse uso do rio como o mais preponderante. A propósito do uso do Rio Cuiabá e ainda de córregos da bacia, a pesquisadora comentou que isso é objeto de atenção e de planejamento, daí a promoção de reuniões públicas, em conjunto com o Comitê de Bacia Hidrográfica do Alto Rio Cuiabá (CBH Alto Rio Cuiabá), para discutir a questão.

Ela disse que terça-feira, o NIESA, composto por 30 professores e pesquisadores da UFMT, junto com a CBH Alto Rio Cuiabá, se reuniu, na sede das Promotorias de Justiça, em Cuiabá, com órgãos, comunidade e entidades, para debater o “Enquadramento da Bacia do Rio Cuiabá”. Ontem, a reunião pública foi em Barão de Melgaço, na Câmara Municipal, e hoje é em Nobres, no auditório do Rotary Club. “Nos encontros públicos mostramos o rio que temos, perguntamos o rio que queremos, e miramos o futuro, ou seja, a construção de programas, projetos e ações para mitigar problemas decorrentes do uso da bacia”, esclareceu.

O enquadramento é uma ferramenta que classifica os cursos d’água em cinco níveis, atendendo aos seguintes usos: abastecimento humano, preservação das comunidades aquáticas, recreação, irrigação, aquicultura, pesca, dessedentação de animais, navegação e harmonia paisagística. Atende às legislações ambiental e hídrica e é mais uma etapa do Plano de Bacia do Alto Rio Cuiabá que, por sua vez, atende à Política Nacional dos Recursos Hídricos. Esses estudos e pesquisas vêm sendo conduzidos, na região, pelo Niesa.

Há tempos sem noticiar o Rio Cuiabá, quis saber como estava nesta estiagem. Confirmei o suporte de Manso, mas também comprovei, na outra ponta, que continua com diversos problemas: está com três mil reservatórios de piscicultura usando ração; vem recebendo esgoto não tratado por conta de ligações não efetuadas, o que compromete a balneabilidade do rio; e tem elevado índice de coliformes, entre outras adversidades que, ao final, refletem na qualidade da água e na vida dos ribeirinhos e da população como um todo.

O assunto não se esgota aqui. Ainda voltarei muitas vezes ao tema, considerando a quantidade e a qualidade das informações produzidas pelos pesquisadores mato-grossenses. Parabéns, UFMT!

* Os textos das colunas e dos artigos são de responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a opinião do eh fonte

Compartilhe

Assine o eh fonte

Tudo o que é essencial para estar bem-informado, de forma objetiva, concisa e confiável.

Comece agora mesmo sua assinatura básica e gratuita:

Mais Colunas

Um debate sem debate

Por Adriana Mendes | 26 de outubro de 2024

Jornalismo & Eleições

Por Sônia Zaramella | 24 de outubro de 2024

COP busca paz com a natureza

Por Francisca Medeiros | 21 de outubro de 2024