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A criação de Casas de Autistas foi anunciada pelos prefeitos de Cuiabá, Abilio Brunini (PL), e de Várzea Grande, Flávia Moretti (PL). Mas os R$ 12 milhões em emendas parlamentares previstas e um possível investimento do governo estadual ainda são apenas promessas para o tratamento especializado do Transtorno do Espectro Autista (TEA).
O que preocupa os profissionais da área, entretanto, é o “marketing da indústria do autismo” direcionado para atrair recursos.
O TEA tem registrado aumento no número de casos desde que foram ampliados os critérios de diagnóstico, uma vez que os sintomas apresentam grande variabilidade. “A atual gestão de Várzea Grande quer aumentar o número de diagnósticos de TEA com a mesma equipe”, argumenta uma técnica de saúde mental experiente.
Servidores do Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (Capsi) de Várzea Grande ouviram da assessora de políticas públicas para inclusão do município, Priscila Lima, que “infelizmente é preciso fazer isso (focar nos autistas, conseguir mais laudos) para atrair investimento”. A declaração surpreendeu os profissionais que a ouviram e repassaram, no entanto, pedindo anonimato a fim de evitar retaliações.
A preocupação deles, conforme manifestaram, é com a produção de diagnósticos apressados, sem o devido acompanhamento necessário. Procurada, Priscila Lima afirmou que “nunca disse isso”. Porém, segundo ela, “não deixa de ser verdade porque existem emendas, verbas específicas” para atendimento de deficientes. A estimativa do município é que haja uma fila de mil crianças e adolescentes que precisam de um laudo de TEA.
Renata Andrade, mãe de um menino de 8 anos com autismo, conversou com o eh fonte, na posse de Flávia Moretti, sobre a precariedade no atendimento. Disse que uma das dificuldades em Várzea Grande é a falta de amparo.
“Eu tô precisando fazer uma reavaliação do meu filho e, para você ter noção, já tem dois anos que estou aguardando a consulta. Imagina quem ainda está aguardando para ser avaliado?”, indagou.
Em Várzea Grande, o projeto para a criação da Casa do Autista prevê um investimento de R$ 15 milhões para um espaço que incluirá salas terapêuticas, consultório odontológico, jardim sensorial, laboratório gastronômico e até um auditório.
Já apresentado ao vice-governador Otaviano Pivetta, o projeto é descrito como “completo” e o valor estimado é mais que o dobro do previsto para uma unidade similar em Cuiabá. Priscila Lima comentou, com ironia, o investimento da capital: “Com esses R$ 6 milhões dá para construir apenas o muro em volta (da Casa do Autista)”, afirmou.
Por falar em muro, uma casa especializada em TEA ‘cercada’ não seria excludente? A assessoria esclareceu que, apesar do nome Casa do Autista, a ideia em VG é o atendimento a todos neurodivergentes – condições como TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade), dislexia e outras diferenças neurológicas que influenciam como uma pessoa percebe, aprende e interage com o mundo.
Por outro lado, os municípios enfrentam problemas no atendimento dos Capsis, que são as unidades do SUS destinadas ao atendimento de todas as demandas de saúde mental. E por que não investir mais nos Capsis que atendem não apenas autistas?
Em Várzea Grande, a unidade sofre com problemas estruturais e falta de profissionais. Por esse motivo, ou seja, a falta de recursos, a curto prazo a ideia é mudar para outro local e criar um anexo especialmente para realizar diagnóstico de TEA, fato que levantou preocupação diante dos frequentes desmontes da equipe.
Já no caso de Cuiabá, o Ministério Público Estadual destinou R$ 6 milhões para investimento nesses centros, por meio de recursos de Termos de Ajustamento de Conduta (TACs). Para a Casa do Autista, por enquanto existe apenas a “sinalização” de recursos por meio de emendas do PL, do senador Wellington Fagundes, dos deputados Nelson Barbudo e Coronel Fernanda.
A prefeitura da capital informou que tem cerca de 1.700 crianças com diagnóstico de autismo matriculadas nas escolas, mas o número real pode ser ainda maior devido a casos subnotificados. “Sabemos que há desafios para atender todas as famílias, mas esse é um compromisso da nossa gestão”, afirmou Abilio em nota à coluna.
Com relação ao diagnóstico, “na infância é mais difícil fechar uma avaliação rápida da doença, isso vai se fechando à medida do tempo, do acompanhamento”, explica um psicanalista. Existem gargalos das políticas públicas que querem impor diagnósticos sem critérios, classificando crianças adolescentes em um quadro para exploração mercadológica.
“Uma violência no colégio pode fazer uma criança parecer um autista na sua frente, um trauma neurológico pode fazer uma criança se calar, ou um fenômeno de surdez ou de baixa audição pode dar impressão de que a criança é autista”, exemplificou.
Nos últimos anos, a indústria do autismo vem crescendo. É preciso uma reflexão crítica sobre a aplicação dos recursos públicos. Ativistas do atendimento especializado dizem que a Casa do Autista tem um programa “mais assertivo” e que o CAPSi traz noção de “sofrimento mental”. Esse é um debate muito importante por envolver questões delicadas e complexas. Qualquer que seja o caminho de acolhimento dessa parcela da população, é preciso incluir e não excluir.
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