COLUNA

Francisca Medeiros

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Licenciamento ambiental: ambiente em risco?

Foto: Michel Alvim – Secom / MT

 

A Lei Geral do Licenciamento Ambiental, que propõe mudanças drásticas de impacto na política de proteção ambiental brasileira, está prestes a ser votada pela Câmara dos Deputados. O presidente Hugo Motta (Republicanos-PB) está disposto a colocá-la em pauta antes do recesso parlamentar, que começa no dia 18. Em maio, o projeto foi aprovado – com muitas alterações – no Senado, por isso voltou à Câmara e, de lá, irá para sanção presidencial.

No Congresso, a proposta de simplificar e flexibilizar o licenciamento é validada pela bancada ruralista e tem apoio de empresários do agro, de empreiteiras e de mineradoras e da maior parte dos ministérios ligados ao tema (Agricultura, Casa Civil, Minas e Energia). E sob o argumento de que ela pode fragilizar a proteção ambiental, ela enfrenta fortes críticas de ambientalistas e de entidades especializadas, inclusive da área de direitos humanos. No governo federal a resistência quase que solitária tem sido da ministra Marina Silva, do Meio Ambiente.

A atualização do licenciamento para agilizar a liberação de empreendimentos e atividades econômicas é vista, de forma geral, como uma necessidade. Mas há mecanismos na proposta em análise que provocam controvérsias. Um deles é a Licença por Adesão e Compromisso (LAC) que prevê que os empreendedores poderão iniciar a atividade apenas se comprometendo a cumprir exigências ambientais previamente estabelecidas, sem passar por análise individualizada.

Nesta espécie de “autolicenciamento”, são incluídas obras de pequeno e médio potencial poluidor e de impacto ambiental. Os ambientalistas consideram que o segundo grupo deveria ficar de fora.

Outro instrumento previsto é a Licença Ambiental Especial (LAE), proposta pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), que autoriza a licença simplificada de projetos considerados estratégicos pelo governo. Uma medida que parece talhada para beneficiar a exploração de petróleo na Foz do Amazonas, projeto que contrapõe Marina e Alcolumbre. Aqui as críticas são de que poderá haver interferências políticas e que não haverá estudos mais profundos sobre os riscos de impactos ambientais.

O projeto que muda as regras de licenciamento tem sido objeto de vários alertas críticos, que têm sido feitos, inclusive, por organismos internacionais. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA) destacou que o projeto ameaça “os padrões de proteção ecológica e de direitos humanos”. Esta comissão é encarregada da promoção e proteção dos direitos humanos em todo o continente americano.

A Conectas Direitos Humanos, uma ONG brasileira de atuação internacional, também pediu em uma carta enviada a relatores especiais da ONU que eles se manifestassem contrários ao projeto que “representa uma ameaça socioambiental significativa” que “aprofundará desigualdades sociais” e que poderá, inclusive, ser questionado na Justiça por ferir o direito ao meio ambiente equilibrado garantido pela Constituição Federal.

A Conectas tem status consultivo junto à ONU, é observadora da Convenção-Quadro de Mudanças Climáticas da ONU e é registrada na OEA (Organização dos Estados Americanos). A ONU fez um comunicado oficial assinado por cinco relatorias e dois grupos de trabalho no dia 26 de maio. A organização expressou “profunda preocupação” com os impactos do PL sobre os direitos à vida, à saúde, à água, ao saneamento e ao ambiente saudável, especialmente para comunidades tradicionais, povos indígenas e quilombolas. Os relatores também alertaram para o risco de influência indevida do setor privado na formulação de leis ambientais.

Há duas semanas, no dia 19 de junho, 16 deputados da União Europeia também manifestaram oficialmente preocupação com o projeto. Em carta endereçada ao deputado Hugo Motta, eles lembraram que o Parlamento Europeu está avaliando a ratificação do acordo comercial Mercosul-União Europeia e alertaram que o projeto, tal como aprovado no Senado, “altera significativamente o marco de proteção ambiental do Brasil”.

E na semana passada representantes dos órgãos ambientais da União, estados e municípios assinaram um posicionamento conjunto para ser encaminhado ao relator do projeto, o deputado Zé Vítor (PL-MG). O documento elaborado pela Comissão Tripartite Nacional reconhece a importância de uma lei que traga clareza normativa, segurança jurídica e agilidade nos processos, mas “sem abrir mão da efetividade da proteção ambiental e da cooperação federativa”.

Entre as críticas da Tripartite está a ausência de previsão de diretrizes nacionais mínimas para o licenciamento, o que pode levar a procedimentos isolados dos entes federativos e comprometer o funcionamento do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama), cujo papel coordenador cabe atualmente ao Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).

O documento destacou ainda o perigo da aplicação indevida da LAC em empreendimentos de maior impacto, como duplicações e pavimentações de rodovias e ferrovias. E ressaltou que a LAE, com tramitação em fase única e prazos curtos, “pode comprometer gravemente a qualidade da análise e representa um sério risco à identificação e mitigação adequada dos impactos ambientais”.

O deputado Zé Vítor pode apenas fazer mudanças de redação, não de mérito, em seu relatório. Em plenário não seria muito pedir que os deputados tratassem o assunto com seriedade e equilíbrio e que votassem inspirados na máxima que vem do latim: In dubio pro natura. Ou seja, em caso de dúvida, defenda o meio ambiente.

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