Licenciamento ambiental nas mãos de Lula
Contagem regressiva para que o presidente Lula sancione ou vete o marco do licenciamento ambiental aprovado na semana passada pela Câmara dos Deputados. A contar da aprovação, ele tem 15 dias para se decidir, o que fará sob forte pressão de quem defende e de quem se opõe ao novo marco deste instrumento da política ambiental que pode garantir (ou não) o meio ambiente mais equilibrado.
Na Câmara, a liderança do governo se opôs ao texto e saiu derrotada. A votação varou a madrugada da quarta-feira (17) na última sessão antes do recesso parlamentar. Sob a batuta da bancada ruralista, 267 deputados disseram sim e 116 não. Da bancada de Mato Grosso votaram sim os deputados do PL – Coronel Fernanda, Rodrigo da Zaeli, José Medeiros e Nelson Barbudo – e os do União – Gisela Simona e Coronel Assis. O deputado Emanuelzinho (MDB) não votou porque estava em deslocamento, conforme explicou.
Agora, o que esperar do presidente Lula? O tema está longe de estar alinhado dentro do governo. Entre os ministérios, a voz mais crítica é de Marina Silva, do Meio Ambiente, que disse que houve uma flexibilização ao extremo que fragiliza todo o arcabouço legal. As preocupações dela foram compartilhadas por Ibama e ICMBio.
Sônia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas, avaliou que a “Câmara mostrou descompromisso com o futuro”. Mais um ou outro ministro falou sobre itens pontuais; a maior parte, porém, ficou em silêncio, se esquivou ou fez coro à ideia de que o PL atualiza o licenciamento e pode alavancar o desenvolvimento econômico.
Os alertas sobre pontos controversos vêm sendo feitos pela comunidade científica, ambientalistas, especialistas e juristas desde que o projeto começou a tramitar. Uma das preocupações se refere a novas licenças com processos de análise facilitados e reduzidos, mesmo em atividades de impacto ambiental.
A Licença por Adesão e Compromisso (LAC) é uma espécie de autolicenciamento em projetos de pequeno e médio porte. O empreendedor comunica o órgão ambiental e se compromete a fazer tudo certo segundo condições pré-estabelecidas em projetos semelhantes. São dispensadas análises, fiscalizações prévias ou audiências com as populações afetadas.
Já a Licença Ambiental Especial (LAE) permite ao Executivo classificar como estratégicos projetos que passarão por análise vapt-vupt, em uma única etapa e no prazo máximo de um ano, independentemente do impacto ambiental e do grau de uso dos recursos naturais. De forma geral, a participação do ICMBio e Funai será reduzida nos processos futuros de licenciamento.
Assim que aprovada, começou uma ampla movimentação para convencer o presidente Lula a vetar a lei. São organizações ambientais, da sociedade civil e pesquisadores que alertam para os riscos do afrouxamento do controle público. Só para citar algumas, entre elas estão a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a ActionAid e Oxfam Brasil, duas organizações que atuam contra a pobreza e a injustiça social.
O Observatório do Clima, que é formado por 68 organizações que atuam com a agenda socioambiental e do clima, considera o PL “o maior retrocesso ambiental legislativo desde a ditadura militar”. O Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), que é uma organização científica, também engrossa as críticas.
Na lista de entidades contrárias também estão Greenpeace, WWF Brasil, SOS Mata Atlântica, Instituto Talanoa e Conectas. O Fórum Popular Socioambiental de Mato Grosso (Formad) endossa o pedido de veto de Lula observando que em um estado contemplado por três biomas, “a proteção socioambiental, dos direitos humanos, dos povos e da Natureza, deveria estar acima de interesses econômicos e exploratórios”.
Na sua tomada de decisão, o presidente da República certamente será lembrado da força que têm as entidades ligadas ao agro, à infraestrutura e à indústria que, majoritariamente, são favoráveis ao PL. Para a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), ele moderniza, desburocratiza e garante a segurança jurídica e ambiental e evita perdas de competitividade.
Na defesa da lei, o presidente da Aprosoja-MT, Lucas Costa Beber, disse que espera que obras estruturantes sejam autorizadas, entre elas a Ferrogrão, a ferrovia de cerca de 900 km que deve ligar Sinop ao Pará, acessando portos do chamado Arco Norte. O projeto que faz parte do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) do governo federal enfrenta dificuldades para avançar por causa de questões ambientais e legais.
Mesmo que o presidente vete apenas parcialmente a lei, o provável é que os vetos serão derrubados pelo Legislativo, intenção já explicitada pelo presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, Pedro Lupion (PP-PR). Outro cenário provável é a judicialização do tema que poderá ser levado ao Supremo Tribunal Federal, conforme análise de especialistas de que a lei tem pontos inconstitucionais.
O que também é certo é que a decisão do presidente será amplificada por estar a quatro meses da COP 30, a Conferência do Clima da ONU que será realizada em novembro em Belém, no Pará. No meio da polêmica, teve quem lembrou da ironia da aprovação do PL no dia 17 de julho, o Dia Nacional de Proteção às Florestas. E o curioso é que esta data passou a ser comemorada por ser o Dia do Curupira, a figura da cultura popular conhecida por proteger nossas matas.
A propósito, o curupira foi escolhido a mascote oficial da COP 30. E, dependendo do quão profundas forem as mudanças e do rumo dado ao licenciamento ambiental, talvez a proteção da flora e da fauna brasileiras vá depender mais do trabalho deste garoto de cabelo de fogo, dentes afiados e pés para trás.
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