Mais vulnerável ao fogo, o Cerrado exige mais proteção
29 de setembro de 2025
Em meio ao inferno das queimadas sem controle no país de um ano atrás, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, pediu que o STF autorizasse, diante de “semelhantes razões emergenciais”, as mesmas condições dadas aos biomas Amazônia e Pantanal para a mobilização de recursos destinados para o combate do fogo no Cerrado. Esse é só um dos exemplos da atenção secundária que, historicamente, o Cerrado tem merecido na política de proteção, mesmo que seja o bioma mais vulnerável aos incêndios florestais.
Nas últimas quatro décadas, o fogo atingiu, pelo menos uma vez, 43% da área do Cerrado, conforme levantamento do MapBiomas, chegando ao total de 88 milhões de hectares. No ano passado, foi o segundo bioma que mais queimou, representando 35,8% de toda a área queimada no país entre janeiro e agosto. Quase metade das queimadas foi em Mato Grosso, Pará e Maranhão.
O pedido de Gonet citado na abertura foi feito em setembro de 2024 para a abertura de crédito extraordinário fora da meta fiscal, além da autorização para recontratação imediata de brigadistas temporários, abrindo-se mão da exigência de intervalo mínimo de três meses. Estas medidas já tinham sido autorizadas pelo ministro Flávio Dino para as ações antifogo na Amazônia e no Pantanal. Determinação que foi dada no âmbito da ação de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), de autoria do partido Rede Sustentabilidade, que cobrava um plano formal de proteção a estes dois biomas.
Dino destacou, à época, que o objetivo de obrigar a União a adotar uma série de medidas de proteção aos biomas tinha o objetivo de “evitar o fim do mundo”. Bom, quem vive no coração da América do Sul sabe que o fim do mundo tem chegado por aqui antes e com muita força nos últimos anos, deixando repetidamente um rastro de destruição, poluição do ar, prejuízos à saúde, perdas da biodiversidade, de riquezas e de vidas.
E como está a situação neste ano? Menos ruim, devido em parte às condições climáticas menos severas. Mesmo assim, entre janeiro e agosto de 2025 foi registrada no Brasil a quinta maior área queimada em extensão desde 2003, ano em que começou o monitoramento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).
O fogo atingiu, no total, 186,5 mil km², a maioria (64%) em áreas de Cerrado. Houve, no geral, queda de 20% em relação à área queimada em 2024 (224,31 km²) e uma redução bem mais acentuada, de 65%, no número de focos, que teve recuo de 65%, considerando o período entre 1º de janeiro e 10 de setembro.
No Cerrado, olhando pela queda de focos, há motivo para se animar porque a redução foi de 47%; mas, quando se olha a área queimada, houve aumento da devastação. Foram atingidos 106.677 km² no bioma em 2024 e, neste ano, foram mais de 119 mil km². Lembrando que estes dados ainda não contabilizam os registros de todo o mês de setembro, período marcado pela baixa umidade do ar, que facilita a ação do fogo.
Entre as explicações para a queda das queimadas está a diminuição da vegetação disponível para ser consumida, diante do estrago já feito pelas chamas em 2024. A seca também está menos severa e o poder de intervenção pública aumentou com maior investimento na estrutura de prevenção e combate.
A redução das queimadas depende de uma política estruturada e articulada da União com os governadores, do fortalecimento da capacidade de fiscalização e da punição aos criminosos. Aqui, um problema grave. No início deste ano, a Folha de São Paulo revelou que apenas 25% dos inquéritos por queimada e desmatamento na Polícia Federal resultaram em indiciamento.
Em meio ao caos climático de 2024, houve mudanças na legislação e o endurecimento de punições para quem provoca incêndios florestais. O decreto 12.189/2024 prevê embargo ambiental a propriedades rurais que registrarem “queima não autorizada de mata nativa”. Até então o embargo era previsto somente em casos de desmatamento não autorizado de vegetação nativa. E ainda foram elevadas as multas no caso de descumprimento de embargos.
Para além das questões legais, a tecnologia tem um papel central na geração de dados confiáveis e atualizados sobre queimadas e desmatamentos e, nisso, as imagens de satélites são essenciais. Uma auditoria recente da Controladoria Geral da União (CGU) encontrou um quadro de alerta que ficou explicitado no relatório elaborado ao fim do trabalho. Ele observa que há risco de colapso do INPE, órgão vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia e que é responsável pelo monitoramento de importantes indicadores ambientais e de uso do solo.
Na avaliação dos programas “Queimadas” e “BiomasBR”, a CGU observou que há uma relação de dependência de governos estrangeiros para o fornecimento de imagens de satélites e de uma empresa privada desenvolvedora do software que é usado. Dependência que, na avaliação da Controladoria, traz riscos à continuidade dos programas, agravada pelo pequeno número de servidores responsáveis pelas atividades. Para a CGU, entre as causas desta dependência está a falta de lançamentos de novos satélites nacionais.
Enfim, manter o fogo longe do Cerrado exige um conjunto de ações de caráter permanente e que não pode ser negligenciado. Além de ser o segundo maior bioma brasileiro, é a savana com a maior biodiversidade do planeta e que abriga as nascentes das três maiores bacias hidrográficas da América do Sul. Assim como os demais biomas, o Cerrado merece a atenção das políticas públicas e das ações de conservação por parte de toda a sociedade que deveria se orgulhar de cuidar bem do berço das águas do Brasil.
*Os textos das colunas e dos artigos são de responsabilidade os autores e não refletem necessariamente a opinião do eh fonte.
Política de republicação: A coluna do eh fonte pode ser republicada, desde que seja mantida a integridade do texto, citada a autoria e incluído o link para o material original da página.
Compartilhe
Assine o eh fonte
Tudo o que é essencial para estar bem-informado, de forma objetiva, concisa e confiável.
Comece agora mesmo sua assinatura básica e gratuita:


