COLUNA

Sônia Zaramella

soniaz@ehfonte.com.br

Relatos e fatos, pessoais ou não, do passado e do presente de Cuiabá e de Mato Grosso.

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Muxirum afetivo

 

Foto: Sônia Zaramella/Arquivo pessoal

Os termos Mutirão, Muxirão e Muxirum têm o mesmo significado e nos remetem ao trabalho coletivo e gratuito com uma determinada finalidade. Nas décadas de 1950 e 1960, os mutirões de amigos eram frequentes em Cuiabá e destinavam-se principalmente à construção de moradias. Nos tempos atuais essas mobilizações se segmentam e se institucionalizaram, produzindo os mutirões eleitoral, de limpeza, de conciliação fiscal, conciliação ambiental e carcerária, entre outros. Mas os mutirões de antigamente, aqueles frutos da irmandade e do companheirismo, diminuíram.

No passado, o foco dos mutirões da amizade era ajudar o conhecido que precisava fazer algo que, sozinho, não daria conta, seja por condições financeiras ou não. No bairro Mundéu, onde nasci e vivi até a juventude, minha família morou em quatro casas. A última delas, nossa casa própria, foi erguida por mutirões. Nos fins de semana, os amigos do meu pai, pertencentes ao Centro Operário de Cuiabá, se reuniam para subir paredes, abrir o quintal, fazer aterro, entre outras obras. Minha mãe cuidava do almoço servido aos voluntários, que faziam o serviço gratuitamente.

Guardado na memória, agora fui eu quem recorreu ao mutirão de antigamente. Com a partida do meu marido José Luiz para o céu, me vi necessitada de juntar os amigos para, em casa, rearranjar espaços, descartar coisas, organizar objetos para doação, selecionar livros, cd’s e dvd’s, além de fotos e outras muitas lembranças afetivas de um casal que viveu junto 50 anos. Fiz um mutirão de sucesso, mas sobretudo de boa energia, com união e conforto dos amigos. Na coluna de hoje me permito abrir espaço para ser menos jornalista e mais amiga e agradecer a todos que participaram no último sábado.

Muito obrigada por tudo, pelo esforço que cada um fez, mas, principalmente, pela entrega e entusiasmo no tempo do mutirão, pequeno em termos de horas, mas grandioso no sentido da amizade e do carinho não só por mim, mas também por José, Bianca e Bruno. Foi bom compartilhar um pouco do meu mundo vivido com vocês e ‘terceirizar’ escolhas afetivas nas mãos de pessoas que me conhecem tão bem. Foi tudo muito legal porque pude também reviver uma tradição cuiabana preservada na memória e tão valiosa para reconhecimento da amizade nestes ‘tempos bicudos’ que passamos.

Quanto à palavra ‘muxirum’, deve-se pontuar que ela se manifesta no linguajar cuiabano como sinônimo de mutirão e muxirão. Em conversa com a coluna, o presidente da Associação de Cultura Muxirum Cuiabano, Antônio Ernani Pedroso Calhao, contou que a entidade foi assim batizada porque reúne pessoas voluntárias que se movimentam por um objetivo comum que, no caso, é o cultural. Ele lembrou que o Muxirum surgiu e ganhou força na década de 1980 como uma operação de “resistência ao apagamento da cultura cuiabana, que estava sumindo, provocando uma perplexidade e um vazio nos moradores de Cuiabá”.

Calhao frisou que, naqueles anos, o fluxo de migrantes era tão grande que, em algum momento, o cuiabano, dentro de sua cidade, não reconhecia a si nem a capital. “Não se falava mais das nossas coisas, o nosso linguajar estava desaparecendo, nossa comida típica estava escanteada”. Enquanto isso “surgiam os centros de tradições gaúcha, mineira, nordestina e isso foi deixando o cuiabano encurralado”, recordou. O Muxurim saiu vitorioso e, nos dias de hoje, a cultura local “reconquistou seu espaço, ergueu a cabeça e o movimento segue seu trabalho, mas agora focado na defesa e preservação dos casarões do centro histórico de Cuiabá”, completou.

Não importa o termo que se queira usar – mutirão, muxirão ou muxirum – nem a causa do movimento, o indispensável mesmo é a voluntariedade, a união, o afeto e o interesse coletivo, além da preservação dessa tradição.

No meu caso, recorri aos amigos para fazer meu bem-sucedido mutirão, confirmando um dos diálogos do livro O Grande Panda e o Pequeno Dragão, do autor e ilustrador James Norbury: “O que é mais importante, a jornada ou o destino?”, perguntou o Grande Panda. – “A companhia”, respondeu o Pequeno Dragão.

É isso! As pessoas que escolhemos para estarem ligadas a nós, seja como companheiro de vida seja como amigo, são essenciais para nossa felicidade. Sorte a minha por ter tão boas companhias!

 

* Os textos das colunas e dos artigos são de responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a opinião do eh fonte

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