COLUNA

Francisca Medeiros

francisca@ehfonte.com.br

Informações que unem o campo e a cidade.

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O ar que nos sufoca

 

 

Está difícil respirar, a impressão é que o ar está denso, que perdeu a propriedade gasosa. Estamos envoltos numa fumaça espessa, cinzenta, e, mesmo em ambientes fechados, o cheiro é de algo queimado. A poluição é visível e incomoda, mas não há parâmetros para medir o tamanho do problema porque a qualidade do ar não é monitorada por aqui.

Apenas 13 dos 26 estados brasileiros têm alguma estação automática de medição e 80% delas estão na região Sudeste. E se não há dados abrangentes e confiáveis, torna-se menos assertiva a tomada de medidas para enfrentar a piora alarmante da qualidade do ar, com seus reflexos na saúde humana, no meio ambiente e na economia.

Uma contradição chama a atenção neste tema. É que o Brasil está entre os cinco primeiros países do mundo em produção acadêmica sobre qualidade do ar, mas as políticas públicas continuam alheias a toda essa contribuição da pesquisa. E um dos sinais disso é que o Brasil não tem uma rede robusta de monitoramento do ar.

Em 1989, uma resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), ligado ao Ministério do Meio Ambiente (MMA), criou o Programa Nacional de Controle da Poluição do Ar (Pronar) e determinou a implantação da rede de monitoramento da qualidade do ar a ‘médio prazo’.

Médio prazo que já dura 35 anos. Em junho passado, o Conama aprovou uma resolução para atualizar os padrões nacionais para atender às recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS). Estes padrões devem se tornar mais restritivos e ainda foram estabelecidos prazos para a entrada em vigor de cada padrão.

A OMS considera que este assunto deve requerer a atenção pública prioritária em todo o planeta. A estimativa é que todos os anos 7 milhões de pessoas morrem prematuramente no mundo em função da poluição – são 800 pessoas por hora!

O Brasil tem 245 estações de monitoramento automáticas, que coletam e enviam dados em tempo real sobre poluentes como ozônio (O3), material particulado (MP10 e MP2,5) e óxidos de nitrogênio (NOX). Estas informações são fundamentais para as políticas de controle da poluição em suas várias formas.

Em meio à atual emergência ambiental, o MMA e o Ministério da Saúde organizaram, há 20 dias, um seminário para discutir as estratégias de enfrentamento da poluição do ar e os seus impactos para a saúde humana. O secretário-executivo do MMA, João Paulo Capobianco, reconheceu, durante o evento, o quanto o país está atrasado. “Estamos correndo contra os fatos, contra a inércia, contra um período muito longo em que não houve política séria de combate à poluição do ar”, disse.

Para o ministério, a responsabilidade pelas redes de monitoramento é dos estados, que, por sua vez, alegam que não cumprem as normas por falta de recursos, de pessoal e de conhecimento técnico. O MMA prometeu dar subsídios aos estados com qualidade do ar mais preocupante.

No planejamento estratégico do ministério foi incluída a compra de três estações para o Centro-Oeste, que é uma região com menor cobertura de monitoramento e com os maiores indícios de piora na qualidade do ar nos últimos anos, especialmente no arco do desmatamento, que inclui o sul do Amazonas e o norte do Centro-Oeste. No início deste mês, a cidade de Corumbá (MS), que tem sofrido intensamente com as queimadas, recebeu equipamentos que foram instalados na base do Prevfogo para monitorar o ar.

O Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), uma organização sem fins lucrativos, mantém desde 2015 uma plataforma sobre qualidade do ar no Brasil. Um estudo recente do instituto calculou que o país necessitaria de mais 46 estações de monitoramento, no mínimo, se seguir o parâmetro adotado nos Estados Unidos. Usando os critérios europeus, seriam necessárias 138 novas estações. Ambas as estimativas consideram o tamanho da população e o histórico de níveis de poluição de cada localidade.

O interessante é que esta rede não demandaria muitos recursos para implantação. O cálculo feito pelo IEMA considerou o valor dos equipamentos segundo um pregão feito pelo MMA em 2020 e concluiu que cada estação custaria cerca de R$ 350 mil. A rede básica, portanto, custaria entre R$ 16 milhões e R$ 49 milhões.

O desconforto do ar seco e poluído vai além das dores de cabeça, olhos irritados, dores de garganta e pele seca. A defesa natural contra infecções transmitidas pelo ar é diminuída e as pessoas ficam mais vulneráveis às viroses. O aumento de CO2 afeta as habilidades cognitivas, torna difícil lidar com tarefas mais complexas, mexe com o bem-estar e a produtividade no trabalho.

Se considerar que os valores anuais gastos na área da saúde devido a problemas respiratórios estão na casa do bilhão de reais, esta rede de monitoramento custaria pouco e evitaria muito sofrimento. Além das doenças respiratórias, a poluição tem relação direta com a ocorrência de doenças cardiovasculares e neurodegenerativas e, inclusive, câncer.

Na busca por saber mais sobre a conexão entre saúde e poluição conheci um grupo multidisciplinar de profissionais de saúde que atua, desde 2008, com o propósito de mostrar que as mudanças climáticas também adoecem gravemente as pessoas. É o Instituto AR, composto por um terço de médicos e dois terços de profissionais de outras áreas, que desenvolve ações de alerta da importância do debate climático, da necessidade de combater as emissões de gases de efeito estufa (muitos provenientes das queimadas) como uma política de preservação da saúde humana e do meio ambiente saudável.

E pela rapidez das mudanças climáticas, ganha mais importância ter informações em tempo real da qualidade do ar. Ganha, assim, sentido de urgência a criação de uma rede de monitoramento para apoiar decisões públicas e privadas. E que estas decisões garantam a todos o direito de respirar, a plenos pulmões, ar puro e saudável.

*Os textos das colunas e dos artigos são de responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a opinião do eh fonte

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