COLUNA

Margareth Botelho

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Escreve sobre atualidades, cotidiano, sentimentos e pessoas.

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O Brasil está matando o Brasil

Receber um diagnóstico de câncer provoca reações emocionais indescritíveis. Alguns pacientes relatam que é como se o chão abrisse na sua frente e a morte estivesse ali à espreita. Descrevem que nada parece fazer sentido e nenhuma palavra serve de consolo. O médico fala, explica em detalhes como será o tratamento, mas a voz e a fala dele não convencem. Cientistas avançam nas pesquisas, embora não tenham todas as explicações que o doente gostaria de receber. Tratar de um câncer é viver cada dia com um turbilhão de sensações.

Executiva do Vale do Silício, Sarah McDonald foi diagnosticada, em janeiro de 2012, com uma forma pouco comum de câncer chamado carcinoma adenoide cístico — basicamente, câncer de glândula salivar. Em seguida, veio um câncer de mama. Dois cânceres simultâneos, dois tratamentos diferenciados. A saga de Sarah, durante nove meses, resultou em um livro – O Canal do Câncer – publicado em 2022. Em entrevista à BBC News Mundo, ela revelou que contou “detalhes da própria história, de forma clara, direta e até engraçada, oferecendo uma série de conselhos”. Sarah espera que suas palavras ajudem outros doentes.

A professora Maria Cecília,  moradora de Várzea Grande (MT) e diagnosticada com câncer de mama, concorda com Sarah. “Ninguém está preparado para o câncer, nem ninguém à sua volta”. Estudiosos afirmam que pessoas cuidadoras dos doentes, familiares e amigos têm reações diferentes e condutas igualmente diversas no contato diário com o câncer. Uma parte ficará tão aterrorizada com o diagnóstico que vai preferir se isolar. Palavras bonitas não serão capazes de fazer pacientes reagirem. O câncer, para esse grupo, põe fim a qualquer dose de esperança. Eles se afundam na amargura do diagnóstico, da solidão e do tratamento que é bastante doloroso. Outros embalados pela fé, religiosa ou não, vão dividir seus dias na gangorra da sobrevida e da morte a qualquer instante.

Estatísticas do Instituto Nacional do Câncer (Inca) apontam para 704 mil novos casos da doença ao ano durante o triênio 2023 – 2025, no Brasil. O câncer terá incidência maior nas regiões Sul e Sudeste, que já concentram 70% dos registros. O levantamento mostra que o melanoma (câncer de pele) é o mais frequente, com 31,3% dos casos. Na sequência vem o de mama (10,5%), próstata (10,2%), cólon e reto (6,5%), pulmão (4,6%) e estômago (3,1%). O Inca registra a ocorrência de 21 tipos de câncer frequentes no país.

Com problemas em oferecer tratamento a toda população portadora de câncer, o Inca justifica que as estatísticas servem para definir estratégias e políticas públicas na área de oncologia do Brasil. Traduzindo: é sim o Sistema Único de Saúde (SUS) que precisa melhorar e muito a atuação. Tratamento de tumor maligno é tarefa multidisciplinar e, por essa razão,  extremamente caro. Envolve por exemplo outras especialidades, como nutricionistas e nutrólogos, psicólogos, psiquiatras, geriatras, pediatras, assistentes sociais, além de uma rede de apoio desde laboratórios com equipamentos de ponta até moradia e alimentação.

Mas de volta a Sarah McDonald e ao livro O Canal do Câncer, ela diz preferir que os médicos devem falar apenas sob o ponto de vista científico, do tratamento e de medicamentos. Já sobre os altos e baixos dos pacientes, a solidão, a dor física e emocional, além do sentimento de morte iminente é função de amigos e amigas. A eles e elas, para que tudo ocorra da melhor maneira possível, vão um conselho e um alerta de Sarah: primeiro com dose cavalar de carinho e paciência coloquem-se à disposição para servir em todos os sentidos, de passeios a comidinhas gostosas, e jamais, nunca mesmo, deixem escapar a pergunta “mas quanto tempo de vida você tem?”.

Sarah e Maria Cecília, como a maioria dos pacientes, descobriram o câncer em estágio 3, o que significa que já havia se disseminado além do tumor. Sarah passava na época, aos 44 anos, por um tratamento de fertilidade para tentar ter filhos. O surgimento de um câncer duplo, com tratamento bastante agressivo, fez com que ela reagisse e lutasse para viver o pouco tempo que imaginava lhe restar. Atualmente, dez anos depois desse dia, a executiva não apresenta evidências da doença, tem um filho de seis anos e um livro. Uma das dicas que destaca repetidas vezes em O Canal do Câncer é não permitir que tudo fique centralizado na equipe médica, impedindo que o paciente busque alternativas com outros profissionais. Ela defende a participação do paciente por meio de pesquisas seja no próprio Google para que ajude a si mesmo, se enquadrando numa situação que pareça mais próxima daquela que estiver vivendo.

Infelizmente essa história nunca se passaria no Brasil, onde dificuldades de acesso a exames, consultas e cirurgias são barreiras ao tratamento. Desigualdades sociais gritantes que levam a demora nos diagnósticos matam os doentes antes que saibam o que têm. Um debate promovido pela Comissão Especial de Combate ao Câncer, do Congresso Nacional, destacou a falta de oportunidades para que a população carente consiga ser bem atendida. No debate, em 2022, a Comissão expôs números alarmantes como a ocorrência de 300 mil óbitos por ano no país, que acumula 625 mil novos casos registrados em igual período. Se os números causam espanto, mas não há reação imediata dos governantes fora as campanhas de conscientização, a conclusão é sim “o Brasil está matando o Brasil”.

 

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