O resgate necessário do arroz
O arroz, tão presente na vida dos brasileiros, normalmente vira assunto na entressafra quando os preços ao consumidor sobem. Neste ano, porém, o alimento tem ocupado mais tempo e espaço no noticiário nacional por ter atingido patamares de preços muito altos. Acumulou, segundo o IPCA, 24,54% de aumento em 2023 e a previsão é que siga com preços firmes neste 2024.
Tentando entender melhor a cadeia produtiva do cereal, busca-se respostas para perguntas, como: O que motiva o agricultor a investir (ou não) na cultura? Há risco de faltar arroz? Por que o Brasil exporta e, ao mesmo tempo, importa o grão? O que o governo pode fazer? O que mudou nos hábitos de consumo?
O arroz é o segundo cereal mais cultivado no mundo e é o principal alimento de metade da população da Terra. Em dobradinha com o feijão, é marca cultural no prato dos brasileiros. Mas o consumo per capita vem caindo nas últimas décadas. Em 1959, cada brasileiro consumia, em média, 50 quilos de arroz por ano. Atualmente, está média é de 34 kg/ano.
Além da disponibilidade e preço, outros fatores influenciam na fidelidade de um povo a determinado alimento. E, infelizmente, nem sempre o que conta primeiro é o valor nutritivo. O arroz enfrenta a concorrência da indústria de ultraprocessados que propagandeia a ideia de que a modernidade está atrelada a alimentos prontos e práticos, com seus rótulos vistosos, cheio de expressões animadoras e, por vezes, enganosas.
Tamanha tem sido a desconstrução do valor do cereal, que ele passou a ser considerado “comida de pobre”, seja lá o que isso significa! E a turma das dietas milagrosas de emagrecimento também diz que o alimento deve ficar fora do prato de quem deseja perder peso. Não importa que as pesquisas em nutrição e tecnologia de alimentos mostre, uma atrás da outra, exatamente o contrário disso.
A brasileiríssima dupla arroz e feijão, quando consumida na quantidade adequada a cada um, é nutritiva, rica em aminoácidos essenciais que se complementam. O arroz, especialmente o integral, tem fibras e vitaminas do complexo B. O feijão é rico em ferro, zinco, cobre, magnésio, fósforo, cálcio e potássio. Esta parceria colorida, gostosa e saudável está mais que validada pela ciência na garantia da saúde.
Vamos voltar rapidamente às origens do arroz e do seu cultivo. Foi no sudeste da Ásia que surgiu a espécie Oryza sativa que foi trazida para o Ocidente pelos árabes. No Brasil, a primeira referência de plantio é de 1587, na Bahia. A cultura foi ampliada quando Dom João VI determinou que o arroz, junto com o feijão, fosse incluído na alimentação do Exército.
O cultivo racional se organizou a partir de meados do século XVIII. E até a metade do século XIX o Brasil se manteve como grande exportador do grão. O nosso país é autossuficiente e se mantém como o principal produtor de arroz fora da Ásia, continente que detém 90% da produção global.
Aqui no estado o arroz em sistema de cultivo de sequeiro foi pioneiro para abrir novas áreas, principalmente ao longo do eixo da BR-163. Usando a favor a tolerância aos solos ácidos, plantava-se com poucos insumos, como fertilizantes, até para conter os gastos. O resultado, porém, era de baixas produtividades médias.
A Conab registra que o ano de 1976 foi o de pico da área ocupada com arroz em Mato Grosso: 1,5 milhão de hectares, com produtividade média de 1.355 quilos por hectare. Com a grande produção vieram também os problemas com transporte e armazenagem. À época, era comum se ver nos pátios dos armazéns pilhas de sacas de arroz a céu aberto, sobre estrados e cobertas com lonas.
A partir dos anos 1980 as áreas já abertas no estado foram sendo ocupadas por soja e algodão, culturas mais rentáveis e produtivas com foco no mercado externo. Entre 1980 e 2014, a área de arroz caiu 80%, mas, de outro lado, a produtividade aumentou 151%, o que é explicado pela introdução de tecnologias de cultivo baseadas nos resultados de pesquisas.
Além da Embrapa e Empaer, a Agro Norte, uma empresa de pesquisa fundada em 1994 em Sorriso, tem dado suporte à cultura de arroz com pesquisa, produção e multiplicação de sementes. São 500 hectares dedicados à pesquisa que, além de arroz, inclui feijão, milho e soja em seu portfólio. No total, o banco genético abriga 2.800 variedades de sementes.
A pesquisa é importante, tanto quanto a oferta de crédito e de assistência técnica pelo poder público para estimular a produção de alimentos básicos. E o governo federal tem importante papel com a manutenção da política de preços mínimos remuneradores e com a formação de estoques reguladores.
Estes estoques são compostos por alimentos comprados quando os preços de mercado estão abaixo dos preços mínimos para que sejam colocados no mercado na alta, na entressafra. Eles são instrumentos da segurança alimentar, socorrem populações vítimas de desastres naturais e evitam a escassez e a alta exorbitante dos preços.
E, na lógica do mercado, são comuns as exportações e também as importações de arroz. Até há 15 anos, o Brasil consumia tudo o que produzia e, depois disso, passou também a exportar parte das colheitas. Conforme a Conab, o Brasil embarcou 1,8 milhão de toneladas em 2023 e, para este ano, a previsão é que 2 milhões de toneladas sejam enviadas para fora. Entre os compradores estão os Países Baixos, Peru, Estados Unidos, Cuba, Bélgica, Venezuela, Costa Rica, México, Bolívia e Canadá.
Já as importações brasileiras atingiram 1,4 milhão de toneladas em 2023, uma alta de 3,6% sobre 2022. A maior parte dos vendedores é do Mercosul.
No Brasil, a área plantada com arroz aumentou 4,7% na safra atual em relação ao ciclo passado, com expectativa de colheita, que já está bem avançada, de 10,55 milhões de toneladas. O consumo nacional tem ficado em torno de 10,3 milhões de toneladas. Em Mato Grosso, o cultivo neste ciclo foi de 95 mil hectares – aumento de 27% – e a previsão é de 335 mil toneladas de produção, 21% a mais que na safra passada.
Este maior investimento dos agricultores mato-grossenses se deve, principalmente, aos problemas que muitos enfrentaram com a safra de soja que registrou perdas por causa do calor e seca extremos no início do ciclo. O arroz, com preço valorizado no mercado, entrou como alternativa em parte da área que, na segunda safra, recebe, em geral, milho e algodão.
Para a pergunta se vai faltar arroz nas prateleiras dos mercados brasileiros, a resposta é não. A garantia é da Associação Brasileira da Indústria de Arroz (Abiarroz). Em resposta a um vídeo de um youtuber gaúcho publicado em fevereiro em redes sociais que dizia que os preços disparariam devido às supostas exportações ilegais da maior parte da produção brasileira, a entidade divulgou uma nota negando este risco. Afirmou que cerca de 15% da produção nacional são exportados e que o país importa uma quantidade semelhante. No final, ficam elas por elas.
Além da importância na economia, o arroz ajuda a tecer a vida social e a construção de memórias e referências afetivas. São vários os tipos de grãos à disposição nos supermercados: agulhinha ou branco, cateto ou japonês, integral, jasmim, parboilizado, vermelho, negro, arbóreo, basmati. Uma variação que rende pratos com diferentes origens e culturas, enriquecendo nossos hábitos alimentares.
O arroz pode se apresentar diariamente, branquinho, solto e perfumado, de um jeito que a gente acha que só a mãe ou a vó sabe fazer. Pode também virar um bolinho frito para evitar desperdício ou adoçar a boca na forma de arroz doce na sobremesa.
Em ocasiões especiais, ganha companhias festivas e vira arroz à grega, arroz de forno, galinhada mineira, maria izabel cuiabana, arroz carreteiro, arroz com pequi, arroz marroquino, paella, sushis, temakis, risotos cremosos, arroz de cuxá no Maranhão, baião de dois nordestino ou aquela canja quentinha que recupera as forças.
É preciso desmistificar para as gerações mais jovens as ideias que tentam desconectar este alimento da nossa cultura e que não incorporam o conhecimento atualizado sobre o grão.
E que venham sempre colheitas fartas que remunerem o agricultor para continuar investindo em qualidade e que o grão chegue a preços acessíveis aos pratos dos consumidores.
E, em nome da prosperidade, que caiam sempre chuvas de arroz sobre os futuros noivos e que eles funcionem como a dupla cantada pela Legião Urbana em Eduardo e Mônica: “.. E todo mundo diz que ele completa ela e vice-versa. Que nem feijão com arroz..”
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