COLUNA

Sônia Zaramella

soniaz@ehfonte.com.br

Relatos e fatos, pessoais ou não, do passado e do presente de Cuiabá e de Mato Grosso.

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O sonho do VLT vendido para a Bahia

Charge: Dejamil/A Gazeta

 

Não tenho peso político, não sou autoridade, sou apenas uma cidadã cuiabana que sonhou e sonha com boas transformações para sua terra natal. Foi então que, numa condição derrotada, me reconheci na charge (acima) do cartunista Dejamil, publicada no jornal A Gazeta quarta-feira passada. Daí que rapidamente fui atrás do colega e conterrâneo Dejamil e ‘choramos as pitangas’, via whatsapp, pela venda dos 40 vagões do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) de Cuiabá e Várzea Grande para Salvador, numa negociação de R$ 793 milhões entre os governos de Mato Grosso e Bahia, intermediada pelo TCU.

Nos dias que se seguiram acompanhei as notícias dessa ‘venda emblemática’, que simbolizou o fim de um anseio da população, coisa complicada de técnicos e gestores que só veem dinheiro na frente entenderem. Na mídia, só vi comentários de aprovação do negócio: ‘caiu do céu’, ‘negócio da China’, ‘põe fim ao mais triste capítulo da Copa do Mundo de 2014 em Cuiabá’, ‘excelente acordo’, ‘repara o patrimônio de MT’, ‘[os vagões] iam apodrecer ao relento’, ‘iam virar carrinho de cachorro-quente’, ‘não servem mais pra nós’. Todos partindo de fontes oficiais, com abordagens focando a venda em si e o valor apurado.

O outro lado da moeda, ou o que significou isso em perdas social, ambiental e emocional, além de econômica, para as comunidades e comerciantes de Cuiabá e VG que aguentaram perrengues nos dois anos (2012 e 2014) das obras do VLT, não li na mídia profissional. Mas, domingo (23), a Gazeta (ufa!) publicou reportagem de Silvana Ribas mostrando “a vergonha e a revolta” que a venda dos vagões causou aos trabalhadores e estudantes que usam o transporte público. A visão do cidadão (pelo menos de uma parcela da comunidade) sobre o negócio e o sentimento de fracasso após 10 anos de expectativa estavam lá.

Penso que, em qualquer tempo, a mídia deve reiterar os transtornos passados com as obras do VLT porque o jornalismo é também repetição. Além do mais, é compreensível, neste instante, a indignação das pessoas, pois, naquela linha da ‘esperança é a última que morre’, por uma década se aguardou a finalização do VLT, que consumiu R$ 1 bilhão de recursos públicos nos 18% dos trilhos colocados. “Sinto frustração por deixarmos de ter um transporte público moderno e decepção com o desperdício de dinheiro público”, comentou o engenheiro Eraldo. “Fico decepcionada com a incompetência das gestões públicas para levar adiante um projeto no qual tanto se investiu”, reagiu a colega jornalista Mariângela.

Contextualizando, a negociação dos vagões decorre da troca do VLT de Cuiabá e VG pelo BRT (transporte rápido por ônibus), uma decisão unilateral do governador Mauro Mendes, que deixou de fora o conjunto da sociedade das duas cidades. Não foi dado conhecimento de alternativas para seguir implantando o VLT ou do andamento de ações jurídicas de responsabilização dos autores da corrupção que carimbou o modal. Iniciativas no sentido de consultar a população das duas cidades se desejavam seguir com o VLT ou trocar pelo BRT igualmente foram descartadas.

Ano passado, a implantação do BRT começou por Várzea Grande e o governo segue “impoluto” com a obra (que está chegando a Cuiabá), registrando altos e baixos. Venceu mais uma vez ao vender os vagões e diz agora que “o valor é suficiente para bancar os ônibus e ainda vai sobrar dinheiro”. Quem viver verá, porque ‘teimosia’ e ‘birra’ não combinam com interesse público. “O sentimento que tenho em relação a isso é de cansaço”, manifestou a colega jornalista Camila. Para Dejamil, “o governador deveria ter visto o valor milionário gasto no projeto do VLT, fazer os corruptos pagarem, e terminar a obra”. A jurista Serly completou: “queria o VLT acima de qualquer coisa”.

Porém, entre os leitores da coluna aos quais pedi opiniões sobre a venda, há aqueles que priorizam a praticidade da negociação, não seguindo o prisma do fim do sonho que, digamos assim, tocou a mim e ao Dejamil. “De certa forma foi uma parada no prejuízo, foi necessário se desfazer dos trens”, ponderou o advogado Alessandro. A socióloga Miriam concordou com a venda, porque, “se a opção foi ter o BRT, não teria sentido ficar com os vagões por conta da manutenção e da depreciação”. O jurista José Antônio segue esse entendimento, pontuando que “a venda dos trens é redução de danos causados pelo VLT”.

Há também outros divididos. O colega jornalista Tinho disse que, para ele, a venda resultou num “misto de decepção, com tanto dinheiro jogado fora no modal, e alívio, pois havia risco do patrimônio (trens) se deteriorar”. De seu lado, o publicitário Bruno recordou que o VLT custou R$ 1 bilhão.  “Se o governo conseguiu vender os trens por algo perto disso, diria até que fez bem-feito”, avaliou. Mas, em seguida, questionou: “o problema é que vão começar a gastar com outra obra (BRT) e sabe Deus que fim vai ter isso. Será concluída? É a solução para o transporte público das cidades?”.

Sim, o assunto é polêmico. Para mim, data venia aos que pensam o contrário, essa ‘jogada para a plateia’ ao vender os trens do VLT, avançando, portanto, com o BRT, não apaga a essência da questão – os cuiabanos foram ludibriados, roubaram nosso dinheiro e ficamos sem o VLT.

Como já declarei uma vez, minha resposta de cidadã enganada será dada com meu voto nas eleições de 2024 e nos próximos pleitos que virão.

 

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