COLUNA

Sônia Zaramella

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Relatos e fatos, pessoais ou não, do passado e do presente de Cuiabá e de Mato Grosso.

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Ourives cuiabanos mantêm tradição com joias de qualidade

Os cuiabanos natos sabem que as ruas de Cima, de Baixo e do Meio ficam no centro histórico da capital e que desde antigamente essas vias paralelas, estreitas e curtas são referência do comércio de compra e venda de ouro na cidade. Nelas estão localizadas também as joalherias, muitas pertencentes a ourives, que são os profissionais que fabricam e consertam joias de ouro. Com origem de cerca de 300 anos arraigada a esse metal nobre, Cuiabá mostra-se forte até o tempo atual, de forma admirável, nos negócios do ouro e na ourivesaria.

Ao percorrer essas ruas e suas transversais neste início de 2024 não se percebe retração do comércio ligado ao metal, há placas de compra e venda de ouro visíveis por todas elas. As informações do setor sinalizam que a maioria do ouro comercializado por essas lojas de Cuiabá não vem da atividade garimpeira. Porém, deve-se mencionar que Mato Grosso registra uma produção em média de 10 toneladas do metal por ano, o que coloca o estado como um produtor expressivo, demonstrando, em outra ponta, que sua vocação mineral segue importante.

Mas não quero falar do ouro focado na economia. O meu interesse de agora são os ourives, aquelas pessoas que pegam o ouro e o transformam em diferentes obras de arte – anéis, pulseiras, brincos, alianças, pingentes e correntes. Daí que, transitando na rua do Meio, visitei um ourives conhecido para saber como estava indo sua joalheria. O nome dele é Altair Dutra, mas o mundo das joias o conhece por Batata. Mato-grossense, esse fabricador de peças de ouro, consertador e prestador de serviço em Cuiabá para marcas famosas, como a Vivara e a Montecarlo, se profissionalizou adolescente na ourivesaria.

Hoje, com 45 anos de profissão, Batata se diz bem-sucedido e um ourives completo, aquele que realiza todas as fases da fabricação da joia, do design à cravação, que é a técnica de montar e encaixar as pedras (que pode ser uma esmeralda, um diamante) nas suas armações de metal. “Na área da joia eu faço de tudo, mas acho os anéis mais desafiadores porque demandam mais elaboração. Cada peça é uma peça e é tudo manual, é feita uma a uma”, explica.

Batata opina que a ourivesaria cuiabana tem altos e baixos como qualquer outro ramo de atividade, mas não vê crise. Ele trabalha com três ourives profissionais – dois são seus filhos – e produz, em média, por semana quatro a cinco peças de ouro, das quais três são anéis com designs específicos e pedras cravadas. Batata diz que essa média de produção é boa e conta que o perfil de sua clientela é familiar. “Eu fiz as alianças de um casal, eles tiveram filhos que vieram aqui também fazer suas alianças, aí esses clientes indicam amigos que indicam outros parentes e assim vou formando minha clientela”, exemplifica.

Um problema do setor é a falta de profissionais capacitados em Cuiabá, aponta Batata. Porém, mesmo com essa dificuldade, a ourivesaria local registrou, de 2019 para cá, o surgimento de, no mínimo, seis novas empresas de fabricação e conserto de joias. “Aumentou a quantidade de oficinas de joias aqui no centro”, pontuou, justificando que o negócio do ouro cresce porque quem presenteia com uma joia não erra. “A joia é o presente mais cobiçado por todos. Um anel de noivado, por exemplo, tem um significado muito especial, é uma ocasião única que pede uma joia”.

Segundo Bianca Zaramella, que é professora de Moda e Joalheria do Instituto Europeo de Design (IED) em São Paulo, o trabalho feito à mão pelo ourives tem técnicas herdadas das colonizações portuguesa e italiana. De família cuiabana, Bianca lembra que ganhou uma corrente de elos portugueses feita por processos da ourivesaria local, sabendo que “cada elo da peça foi martelado e soldado por um ourives de Cuiabá”. Ela realça ainda influências da joalheria árabe na ourivesaria cuiabana, “porque, no passado, muitos caixeiros viajantes árabes ou mascates vendiam joias por Mato Grosso”.

Bianca frisa que isso pode explicar a preferência das famílias cuiabanas por “joias de ouro amarelo”. Quanto à presença da joalheria barroca na ourivesaria regional, ela exemplifica com “minha Santa da Coroinha”, um pingente em ouro 18k rosé que herdou, em Cuiabá, da avó Nelly. “É uma peça toda feita à mão, tem detalhes elaborados, preciosos e repletos de fé”, assinala, acrescentando que o pingente foi presente que a avó, quando fez 40 anos, ganhou do avô Álvaro. “Está impecável até hoje”, disse, acentuando que, para ela, “essas joias são afetivas e plenas de significado”.

Para fazer um trabalho variado e, ao mesmo tempo, único, porque “cada peça é uma só, não é produzida em grande escala como na indústria de joias”, o ourives deve ser preparado e gostar do que faz, ensina Batata. Ele citou A Joia, Ourivesaria Saldanha, Élis Joia, Ivo Joias, Ourivesaria Osvaldo e a Coresp como algumas joalherias das últimas décadas que foram famosas em Cuiabá. E reverenciou Élcio Pimentel Alves (A Joia) como seu mestre, aquele que o formou um ourives completo.

Há joias antigas carregadas de história, joias religiosas, joias conceituais modernas e ainda joias com significados únicos. Todas as versões podem ser encontradas nas joalherias do centro histórico de Cuiabá – incluindo a loja do Batata – localizadas nas ruas de Cima (atual Pedro Celestino), de Baixo (atual Galdino Pimentel) e do Meio (atual Ricardo Franco). Faça um passeio por lá, vale a pena!

P.S: Bianca Zaramella, além de professora do IED, é proprietária da Blossom Brasil, agência de comunicação digital especializada em moda e joalheria. É minha filha e, claro, foi ela quem me inspirou a escrever sobre a ourivesaria cuiabana.

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