Passado, presente e futuro com São Benedito
São Benedito é referência religiosa em Cuiabá desde os tempos remotos da capital. Sua festa, ano após ano, é tão arraigada à cidade que transpassou séculos e permanece com vigor inabalável. Na contemporaneidade, em que a tecnologia digital transforma até a fé e o campo evangélico avança com suas pregações, é saudável, culturalmente e espiritualmente, notar a importância desse santo entre os cuiabanos. A Igreja Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, construída em Cuiabá na década de 1730, é, hoje, patrimônio histórico, arquitetônico e religioso de Mato Grosso.
Dessa maneira, para além da religiosidade e tradição, mas preservando a mesma força, é pertinente entender que São Benedito, atualmente, amplifica sua graça, ao inspirar eventos de paz e sugerir reflexões e pesquisas sobre diversidade. Assim, a louvação ao santo negro não se restringe apenas à festa em Cuiabá que, aliás, foi realizada de 4 a 7 deste mês, mas motiva também iniciativas na cidade, no decorrer do ano todo, principalmente na perspectiva cultural. Uma delas é a exposição itinerante “A Festa Tradicional de São Benedito”, no Museu da Imagem e do Som de Cuiabá (MISC), no centro histórico.
A exposição apresenta 36 fotografias marcantes da festa, de autoria de nove profissionais. Com 300 anos de história, a Festa de São Benedito nasceu com os excluídos negros, pobres e não alfabetizados, que não desfrutavam de nenhuma representatividade social em Cuiabá. A mostra pode ser visitada até o dia 13 de setembro próximo. Outro evento ocorrerá neste sábado, às 18h. É uma nova edição da Rota da Ancestralidade, um projeto de recuperação dos caminhos (becos, ruas e ruelas) do centro histórico da capital por onde passaram ancestrais de influência africana e indígena.
A ideia é ressignificar pessoas negras e indígenas que viveram na cidade antigamente, cujas histórias estão esquecidas. São cerca de dois mil pontos com essa influência em Cuiabá, mas a Rota contempla, inicialmente, sete deles. Em conversa com a coluna, Cristóvão Luiz, que é coordenador do MISC e um dos elaboradores da Rota, relacionou esses lugares: o largo da Igreja do Rosário e São Benedito, a Praça da Mãe Preta, Praça da Mandioca (Pelourinho), Rua Ricardo Franco, Rua Pedro Celestino, o Beco do Candeeiro e o Casarão dos Alferes (MISC).
Quando pergunto ao Cristóvão como associar São Benedito à Rota da Ancestralidade, ele responde rapidamente com uma palavra: irmandade. “Por isso o ponto de partida da Rota é o largo do Rosário, há essa conexão com o lugar, pois muitos africanos morreram lá em busca do ouro, trabalhando naquele buraco grande por volta de 1722. Eles não tinham casarões, só senhorios. Assim, a Rota da Ancestralidade é a preservação e a valorização desse patrimônio material e imaterial de influência africana e indígena do centro histórico de Cuiabá”, assinalou.
Outra manifestação ligada a São Benedito em Cuiabá é a Lavagem das Escadarias da igreja. Realizado sempre uma semana antes da Festa – este ano foi no dia 29 de junho – o ato visa promover a igualdade racial e cultural, combatendo todas as formas de racismo, violência, discriminação racial e intolerância religiosa. Além disso, dá visibilidade às ações culturais das comunidades tradicionais (quilombolas) e dos povos de terreiro e religiões de matriz africana.
Segundo Cristóvão Luiz, a Lavagem das Escadarias recebe participantes católicos, muçulmanos, ciganos, kardecistas, umbandistas, entre outros, não só de Cuiabá como também de Rondonópolis e Cáceres e demais cidades. “É uma demonstração da cultura da paz e diversidade religiosa”, ressaltou. Localizadas no centro histórico, a Igreja do Rosário e a Capela de São Benedito foram construídas por escravizados africanos, quando as minas de ouro foram descobertas em Cuiabá em 1719.
São Benedito é padroeiro dos afrodescendentes e dos cozinheiros. Eu sou devota dele por herança de minha avó Almerinda Rosa, que agregou o nome do santo ao nome do seu filho, Álvaro Benedito, meu pai, em homenagem e pedido de proteção. Conto isso sempre com orgulho, bem como recordo as missas de São Benedito que assisti, na infância, nas madrugadas das terças-feiras. Com o passar do tempo, a rotina da vida foi se modificando, mas a minha fé e a devoção a São Benedito não desapareceram.
Quando posso, vou à missa das 5h, agora celebrada na área externa da igreja, porque o patrimônio está há dois anos interditado, pela Defesa Civil, para missas e para visitação dos fiéis, por oferecer riscos. Incomodada com a demora do início da reforma que devolverá a igreja ao convívio de seus fiéis, fui saber o porquê disso.
Apurei o seguinte: o projeto arquitetônico de restauro foi apresentado ao IPHAN em setembro de 2023, que o aprovou em dezembro. Porém, para autorizar a realização das obras, o IPHAN pediu aos responsáveis pela igreja um projeto executivo por se tratar de bem tombado isoladamente. Segundo a assessoria da igreja, esse estudo, feito por arquiteto e engenheiros, está pronto, mas é preciso remunerar em R$ 150 mil os profissionais pelo trabalho antes de encaminhá-lo ao IPHAN. O pagamento foi solicitado à Secretaria de Cultura, Esporte e Lazer de Mato Grosso, que, até o momento, não atendeu ao pedido.
E é por conta disso o atraso da reforma desse patrimônio do passado, com forte presença no presente e que precisa ser cuidado para o futuro de Cuiabá. Mas será o Benedito!?
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