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Francisca Medeiros

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Queimadas, uma história de perdas

Foto: CMIF Mídia

No rastro de tragédias deixado pelos incêndios florestais cabem números, dados comparativos, cifrões, mas não cabe uma medida exata que dê conta do que se está perdendo de outras riquezas, dos micro-organismos do solo aos animais de maior porte, plantas e recursos hídricos. Também se perde saúde e ganha-se o medo (ou a certeza) de que o pior ainda não chegou.

Começando pela economia, há estimativas de que a perda do PIB brasileiro seja de 0,6 a 0,8 ponto percentual este ano. Em São Paulo, os prejuízos na agropecuária já ultrapassam R$ 1 bilhão. Os cinco setores mais afetados são a pecuária, a cana-de-açúcar, a fruticultura, o cultivo de seringueira e a apicultura.

No agro, o fogo sem controle e em grandes proporções provoca, de forma imediata e visível, a perda de animais, de culturas agrícolas, máquinas, infraestrutura, cercas, moradia. Perde-se também em vida e qualidade dos solos, o que afeta a produtividade dos cultivos.

Durante a combustão, grandes quantidades de carbono, nitrogênio, potássio e enxofre são perdidas para a atmosfera. E solos nus, desprotegidos, sob forte radiação solar, são mais susceptíveis às erosões. A qualidade da água também é afetada com a destruição, pelo fogo, das matas ciliares, que deveriam proteger as nascentes de rios, riachos e córregos.

Levada pelos ventos, a fumaça das queimadas viaja por milhares de quilômetros entre estados, regiões e até países. Os paulistanos, por exemplo, já se viram sob forte fumaça gerada na Bolívia ou na Amazônia.

Aqui uma parada para uma nota pessoal: gosto muito de ‘Reconvexo’, música de Caetano Veloso. Em dado momento quis saber se era licença poética o verso ‘Eu sou a chuva que lança a areia do Saara sobre os automóveis de Roma’. Descobri que não. De fato, o vento forte leva uma nuvem poderosa de poeira de um continente a outro, por 2.400 quilômetros.

Nas questões ambientais, nem os problemas ou as soluções podem ser tratados de forma isolada, já que tudo tem conexão. Mais um motivo para que as boas práticas agrícolas sejam conhecidas e defendidas por todos. A prevenção e o combate aos incêndios florestais são, ao mesmo tempo, assunto doméstico e das mais altas instâncias de poder e das políticas públicas.

A conexão das queimadas com a saúde é sentida por todos. Em Cuiabá, nas últimas semanas, as tardes com horizonte dourado e com o perfil dos prédios sem definição até rendem imagens bonitas, mas que sinalizam perigo no ar, um alerta de saúde pública. As queimadas aumentam as doenças respiratórias, como rinite, bronquite, asma, pneumonia, gripe e enfisema pulmonar. O cardápio de danos à saúde é, infelizmente, mais amplo. A fumaça contém materiais tóxicos, como dioxinas e materiais pesados, além de partículas finas que, ao serem inaladas, podem trazer complicações respiratórias e cardiovasculares.

A fumaça do ar faz mal para a pele, os olhos, nariz, garganta, pulmões, circulação e o coração de quem mora no campo e nas cidades. Os especialistas atestam que há risco de inflamação nos vasos sanguíneos, aumento de pressão alta, arritmias e até infarto de miocárdio.

Em terra, o fogo e a fumaça à beira das rodovias diminuem a visibilidade e trazem risco de acidentes. Afetam também a navegação aérea e as redes elétrica e de telefonia.

Outra vítima dos incêndios florestais é o turismo. O setor que ainda nem se recuperou da retração da pandemia de covid-19, não consegue clientes porque, definitivamente, as pessoas não estão dispostos a deixar suas casas para viverem a experiência de ter voos cancelados, ver árvores carbonizadas, animais agonizando ou com as carcaças expostas.

Em Mato Grosso, foram registrados, entre janeiro e agosto deste ano, 25.887 focos de calor, conforme dados do Inpe. Isso é 154% a mais do que houve em igual período de 2023. Já são quase 3 milhões de hectares devastados, segundo análise da ong ICV, com base em pesquisas da Nasa. Proporcionalmente, o Pantanal é o bioma em situação mais crítica, onde 550 mil hectares já foram atingidos pelo fogo no território mato-grossense.

E as autoridades? Todo mundo pede explicação, cobra prazos, baixa decretos, enquanto o fogo avança.  As medidas mais recentes são do Ministério Público (MP-MT) que notificou a secretaria estadual de Meio Ambiente (Sema) para adotar medidas preventivas (?) e para mapear os pontos de água para evitar que os animais silvestres morram de sede no Pantanal.

O ministro Flávio Dino, do STF, também deu prazo para que os ministérios da Defesa, Justiça e do Meio Ambiente mobilizem efetivo ‘cabível’ para combater os incêndios no Pantanal e na Amazônia. E, ainda, o governo de MT decretou, na semana passada, situação de emergência por 180 dias devido à seca e aos incêndios.

O certo é que o Brasil enfrenta a seca mais extensa e severa da história e que não há perspectiva de chuvas significativas tão cedo. E é certo também que a palavra prevenção não faz parte para valer das políticas de os níveis governamentais.

E onde falha a responsabilidade ambiental dos cidadãos, não poderiam faltar a fiscalização e a punição por parte do Estado. Em boa parte dos episódios de fogo sem controle, as autoridades dizem que estão investigando se são de origem criminosa. Mas os nomes dos responsáveis (se for o caso) nunca aparecem, nem são conhecidas as punições aplicadas.

Há cinco anos, em Novo Progresso (PA), foi aberta uma investigação sobre uma sucessão de queimadas. A suspeita é que tenham sido combinadas, mas, ao fim, ninguém foi responsabilizado pelo episódio que ficou conhecido como ‘Dia do Fogo’.  E, agora, surge novamente a suspeita de que os incêndios recentes no interior de São Paulo, iniciados num intervalo de 90 minutos, também tenham sido combinados.

Enfim, além do incômodo da fumaça, as queimadas também são envoltas em um cheiro de impunidade. Para a população, ficam os prejuízos concretos e a sensação de que o pior ainda pode vir. E, infelizmente, não se vê nenhum vento soprando a favor de uma era de paz, sem qualquer devastação da natureza.

* Os textos das colunas e dos artigos são de responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a opinião do eh fonte

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