Sem sobressaltos
Embora o assunto seja de interesse nacional, não pretendia comentar a prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro. Até porque não sou uma jornalista da área política, nem possuo outra especialidade que me credencie a fazer análises em situações dessa natureza. Todavia, passadas quase duas semanas da prisão do ex-chefe do país, sucumbi ao assunto diante da naturalidade que, pelo menos ao meu redor, o episódio se deu e vem se encaminhando.
Minha experiência no jornalismo mostra que um fato pode ser noticiado também pela ausência da repercussão esperada. A prisão do ex-presidente chamou atenção nesse sentido. Não vi expressivas mobilizações da sociedade, greve de categorias, nem ocupação de prédios públicos e atos no Congresso Nacional quanto à decisão do STF, entre outras formas de protesto.
Não que isso seja um requisito para acontecer quando se prende um chefe de Estado, seja ex ou atual. Pode ocorrer ou não. Mas é que aliados do ex-presidente propagavam, durante o julgamento da trama golpista, a máxima segundo a qual ‘se prenderem Bolsonaro, o Brasil vai parar’. Não foi o que se viu, pelo menos até o momento. Além dele, foram presos mais cinco aliados por tentativa de golpe em 2022.
Particularizando Mato Grosso e Cuiabá – ‘onde o PT (lê-se esquerda) não se cria’, nas palavras reiteradas vezes do gestor da capital –, o balanço do noticiário dos últimos dias se resumiu às declarações de aliados da direita e da extrema-direita que vão de solidariedade a Bolsonaro ao pedido de anistia para os condenados pelos atos golpistas de 8 de janeiro. Falaram de injustiça, perseguição e dia triste para o Brasil.
Curiosamente, no começo das reações solidárias aqui em MT, ‘onde não há um prefeito da esquerda’, como repetem os bolsonaristas, as críticas foram para o ministro Carlos Fávaro, que faz parte do governo Lula. O gestor de Pontes e Lacerda criticou severamente o ministro da Agricultura porque, ao comentar a prisão de Bolsonaro – “se não sabe usar tornozeleira, tem que ficar preso”, o fez sorrindo. O prefeito julgou isso humilhante, no que foi seguido por alguns aliados.
No caminhar dos dias, atitudes mostradas por bolsonaristas no Instagram chamaram a atenção porque soaram desumanas e em tom de ameaça. Uma corretora de imóveis de Sinop postou que os empresários da cidade – apontada como ‘celeiro bolsonarista no norte de MT’ – teriam começado a demitir funcionários que apoiaram a prisão de Bolsonaro. “Em Sinop começou a limpa; as demissões são de forma estratégica”, disse ela, ao considerar a medida justa.
De seu lado, o prefeito de Cuiabá – capital cuja população não elegeu nenhum representante da esquerda nas últimas eleições municipais – fez um pedido aos empresários da cidade: ‘guardem print de quem comemorar a prisão de Bolsonaro; na hora que tropeçar, manda embora”. Foi um “conselho” sobre como lidar com aquele momento do encarceramento. Mas, efetivamente, não se viu notícias dessas demissões em Cuiabá e Sinop.
O governador Mauro Mendes (União Brasil), que logo após a detenção declarou ser ‘cedo para medir o impacto da prisão de Bolsonaro e de generais’, lamentou a medida dias depois. O gestor, que é citado como pré-candidato ao Senado pelo UB, com o apoio dos bolsonaristas, criticou a condenação. ‘Qual crime efetivamente (Bolsonaro) cometeu?’, perguntou. O governador voltou a defender a anistia ‘como melhor saída para pacificar o país’.
Na realidade, tirando as reações de desagrado quanto à detenção e os casos isolados de festejos sobre a decisão, o encarceramento dos condenados ficou em segundo plano aqui nesse nosso canto e a vida segue normal. Esse é um ponto. Já as consequências do episódio no mosaico político de MT, apontado como um estado onde prevalece a ideologia de direita e o conservadorismo, isso só poderá ser avaliado nas eleições do ano que vem
Alguns sinais de políticos, com peso ou não no jogo eleitoral de MT, já podem ser vistos pós-prisão do ex-presidente. O prefeito de Sinop, Roberto Dorner (PL), por exemplo, afirmou ver Bolsonaro como uma “carta fora do baralho” nas decisões acerca das eleições de 2026. Insatisfeito, o deputado estadual Elizeu Nascimento anunciou que vai deixar o PL e se filiar ao Novo. O deputado federal bolsonarista José Medeiros vê o projeto de lei da anistia perder fôlego em Brasília.
Nessa retórica política, o senador Wellington Fagundes (PL), postulante ao governo de MT em 2026, contemporiza o momento complicado para a direita. Ele se ancorou na crise pós-pandemia para dizer que isso influenciou o comportamento do ex-presidente – ‘é ser humano, estava sob emoção muito forte’. Já a voz do MDB veio com o veterano político Carlos Bezerra – ‘a prisão de Bolsonaro pode influenciar em 2026, mas o impacto é passageiro, pois política é como nuvem’, disse ele.
Como não tenho bola de cristal, prefiro acompanhar e ver lá na frente como ficará o perfil político de MT, estado onde, segundo um dirigente do PL, ‘a extrema-direita bolsonarista domina’. Minha torcida é por mudança!
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