COLUNA

Sônia Zaramella

soniaz@ehfonte.com.br

Relatos e fatos, pessoais ou não, do passado e do presente de Cuiabá e de Mato Grosso.

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Shows, eleições e políticas públicas

 

É incontestável o direito do cidadão ao lazer, à cultura. Nas cidades, há inúmeras formas de proporcionar tais atividades aos seus habitantes, seja por iniciativa pública ou privada. Mas num ano eleitoral, como é este de 2024, chama a atenção em Mato Grosso a realização de shows milionários pagos pelos cofres municipais em cidades com poucos moradores e muitas carências de infraestrutura física e de bem-estar social.

O contraste disso é claro, pois as prefeituras pagam em média R$ 300 mil de cachê ao artista contratado para se apresentar em municípios com 5 mil, 10 mil e 20 mil habitantes. São localidades pequenas e médias, mesmo assim com problemas sérios de água tratada, estradas ruins, falta de merenda para as crianças e de transporte escolar, entre outras dificuldades que são colocadas às populações.

No estado líder do agronegócio do país, os cantores sertanejos são sucesso no interior e na capital também. Nos primeiros meses do ano, foram presenças garantidas nas festas comemorativas de aniversário das cidades, nas feiras agrícolas especializadas e ainda nas exposições agropecuárias, segundo divulgação na mídia.

As notícias sinalizam que o périplo seguirá pelo interior, visto que a prefeitura de Porto dos Gaúchos vai desembolsar R$ 305 mil com o show do cantor Amado Batista, na 19ª edição do Festival de Pesca Esportiva do Vale do Arinos (Fespeva), em agosto, e a de Canarana pagará R$ 350 mil pelo show do cantor Zé Felipe, na 28ª edição da Feira Industrial, Comercial e Agropecuária de Canarana (Feican), em julho.

Alguns podem argumentar, e com razão, que o poder público, nas suas diferentes instâncias, incluindo a municipal, tem o papel de fomentar a cultura, o lazer, sempre na perspectiva social do povo. Estão corretos. Todavia, é necessário reiterar que tais gastos, relacionados aos programas e eventos para a cidade, devem constar do orçamento municipal aprovado no ano anterior.

Outros estranham o aumento de shows no interior e associam tais eventos remunerados com recursos públicos ao marketing das eleições municipais deste ano. Isso independentemente do atual prefeito que os contrata estar na situação de reeleição, ou de cabo eleitoral para seu sucessor. Consideram que, com dinheiro público, não podem ocorrer ‘arranjos’, exceto, acredito, em situações de calamidade.

De todo modo, percebe-se que o radar do Ministério Público de Mato Grosso (MPMT) está atento aos shows milionários nos municípios em 2024 e focado principalmente em duas frentes: propaganda eleitoral antecipada e as políticas públicas. Casos de shows com propaganda eleitoral no interior não foram ainda identificados até o momento.

O titular da Procuradoria de Justiça Especializada na Defesa da Cidadania, Consumidor, Direitos Humanos, Minorias, Segurança Alimentar e Estado Laico de Mato Grosso, José Antônio Borges Pereira, disse à coluna que não custa lembrar que a legislação eleitoral proíbe os showmícios. “Imagino que os candidatos tenham o bom senso de não fazê-los, seja devido à fiscalização do MP ou dos próprios partidos adversários”, enfatizou.

Nessa linha, recordou também que, caso ocorram shows dessa natureza, a consequência, pelo abuso econômico, é a cassação da candidatura e futura perda de mandato decretada pela Justiça Eleitoral.

Já no âmbito de políticas públicas, há um rigor do MP quanto à retirada de recursos municipais para custear despesas de shows milionários nas cidades. Recentemente, as Promotorias de Justiça de Campinápolis (658 km de Cuiabá) e de Ribeirão Cascalheira (772 km da capital) ajuizaram Ação Civil Pública contra os municípios por contratos de festas e shows com recursos municipais.

No caso de Ribeirão, o show seria da cantora Manu Bahtidão, na 9ª Festa da Queima do Alho, ao custo de R$ 275 mil. A promotora de Justiça substituta Bruna Caroline de Almeida Affornalli escreveu na ação que o município não oferece direitos básicos à população, não se mostrando “proporcional nem tampouco moral” a realização de eventos dessa magnitude na cidade.

São situações que pedem mesmo ponderação. Diversão, arte, felicidade e alegria são essenciais às pessoas, mas boas escolas, estradas transitáveis, centros de saúde equipados e segurança pública são prioridades para o bem-estar de todos.

Uma saída para o entretenimento de moradores de municípios carentes, até que a infraestrutura física e social dessas cidades seja melhorada, seria a contratação de artistas locais. Assim, sem os cachês milionários, sobrariam mais recursos para aplicar no próprio município.

Em todo o caso, em 2024, é bom o cidadão ficar de olho nessa tríade: shows, eleições e políticas públicas.

 

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