COLUNA

Sônia Zaramella

soniaz@ehfonte.com.br

Relatos e fatos, pessoais ou não, do passado e do presente de Cuiabá e de Mato Grosso.

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Sistemas na internet gerenciam dados dos mortos

Hoje é Finados, dia de recordar com saudade os entes queridos que estão na eternidade. Pai, mãe, irmãos, tios e amigos podem fazer parte do luto de cada um de nós, a depender da idade. Assim, a data ajuda a apaziguar a dor emocional e serve para homenagear aqueles que não estão mais conosco. Mas Finados pede ainda reflexão de nossa parte para um fator novo que surgiu nestes atuais tempos de inovações tecnológicas, também associado à morte, que é o chamado legado digital.

Entende-se como legado digital aquela coleção de dados que temos nos computadores e celulares usados cotidianamente e que vão dos e-mails, cadastros em lojas e farmácias, contas bancárias até os textos, fotos, vídeos, áudios e desenhos gravados em nossos equipamentos, ou que postamos nas redes sociais. E para acessar muitos desses dados precisamos possuir login e senha de usuário.

Esses bens e ativos da internet, portanto, quando morremos, constituem nosso patrimônio digital e, por essa razão, podem ser gerenciados e preservados por terceiros, se for esse o desejo manifestado pelo usuário em vida. Sendo positivo, esse legado, então, se junta aos patrimônios materiais, monetários e sentimentais que deixamos para nossos parentes na forma de herança.

Desse modo, é uma ação necessária o usuário fazer o inventário de suas redes sociais, de seus dados e arquivos eletrônicos, destinando-o a um herdeiro que, por sua vez, poderá acessá-los, gerenciá-los e ainda preservar as memórias online do falecido. Sabe-se que nem todas as ferramentas têm a opção de deixar configurado o destino dos bens digitais, mas muitas delas têm e vale checar nas suas configurações. Essa providência pode ser a saída para aquele nosso dilema, segundo o qual, morremos, mas continuamos persistindo na rede.

Um dos maiores pesquisadores de legado digital no Brasil, Cristiano Maciel, professor associado do Instituto de Computação da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), considera o tema “sensível e complexo”, visto que está diretamente ligado à morte. Mas salienta que, cada vez mais, nossa vida é constituída de forma digital (fotos, senhas, logins, lembranças etc.), por isso o assunto é relevante, bem como são importantes as pesquisas dos sistemas de gerenciamento desses bens, incluindo memoriais digitais.

Na UFMT, Maciel coordena o projeto DAVI – dados além da vida, que visa ajudar as pessoas a lidarem com os legados e memoriais digitais, garantindo que os dados dos usuários da rede sejam tratados de maneira responsável, mesmo após a morte deles. O projeto é desenvolvido desde 2011 e é um dos mais importantes da América Latina nessa área. O professor conta que tudo começou com a pesquisa referente à visão dos engenheiros de software sobre a destinação dos legados digitais, depois novos campos de estudos se abriram, ganhando complexidade, pois os pesquisadores passaram a se preocupar também com sistemas em nuvem, que armazenam dados com senha.

Sobre os sistemas gerenciadores de legados digitais, Maciel explica que existem dois modelos: o dedicado e o integrado. Os sistemas dedicados são desenvolvidos para gerenciar bens digitais e incluem aqueles nos quais a pessoa armazena seus logins, senhas etc., existindo até sistemas de cofres digitais para gerenciar dados e nomear herdeiros para esses bens. Um exemplo é o Google, que possui o sistema “Google Contas Inativas”, que permite aos usuários fazerem configurações de seus bens em diferentes aplicações da empresa.

Já nos sistemas integrados às redes sociais, como o Facebook, esses permitem que o usuário acesse sua conta e faça o cadastro de um herdeiro para ela. Detectada a morte, o sistema da rede social pode transformar o perfil num memorial, ou excluir a conta, conforme o desejo expresso pelo falecido nas configurações. Caso o usuário não faça isso, é executado o que ele “concordou” via Termos de Uso da aplicação, ou seja, a conta será transformada em memorial, mas sem gerenciamento de terceiros. Maciel comenta que “existem muitos casos na Justiça de familiares requerendo acesso às contas de falecidos e esse é um processo árduo”, daí que recomenda às pessoas que façam as configurações.

Quanto aos memoriais digitais, também pesquisados pelo projeto DAVI, esses têm a característica de homenagem, levando em conta o valor emocional das pessoas e a preservação de suas lembranças pós-morte. Os sistemas de gerenciamento dos memoriais mais conhecidos são os integrados às redes sociais. Mas há sistemas dedicados a isso, como as tecnologias em cemitérios, a exemplo do Cemitério da Consolação de São Paulo, onde há túmulos com QR code nas lápides. É o caso do túmulo da artista plástica Tarsila do Amaral. Se a pessoa ler o QR code da lápide do túmulo de Tarsila, acessa todo o memorial da pintora.

“É importante termos consciência da finitude da vida e da importância dos nossos dados digitais”, enfatiza Cristiano Maciel, acrescentando que pesquisadores do projeto DAVI têm também realizado palestras e orientações de cunho educacional em escolas, universidades e eventos, em um trabalho de conscientização sobre a importância de os usuários pensarem e agirem nesse campo. Caso tenha interesse em saber mais sobre as pesquisas do projeto, acesse @dadosalemdavida – Instagram e Facebook – ou em https://lavi.ic.ufmt.br/davi/.

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