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Francisca Medeiros

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Tributação das carnes em debate

O preço da carne, ou melhor, da picanha bovina, é assunto quente. Já foi mote de campanha presidencial e, agora, está no centro do debate da regulamentação de parte da reforma tributária. A questão é: as carnes serão ou não isentas de tributos? E se forem, qual o impacto na alíquota geral que todos pagarão sobre a maioria dos produtos quando a medida for implantada?

É preciso entender que na Nova Cesta Básica criada pela reforma tributária há alimentos isentos e outros com alíquota reduzida. Arroz, feijão, leite, manteiga, óleo de soja e farinhas estão no grupo sem impostos. As carnes (bovina, suína, ovina, caprina e de aves), peixes, leite fermentado, queijos e mel são itens no grupo com alíquota reduzida de 60%. Deverão, portanto, pagar 40% da alíquota cheia, que está estimada atualmente em 26,5%. Ou seja, caso essa alíquota de referência seja mantida na aprovação final no Senado, vai-se pagar sobre a carne 10,6% de imposto.

E como é atualmente? As carnes bovina e de frango são isentas de impostos federais (IPI, PIS, Cofins), mas a maioria dos estados cobra ICMS sobre estas proteínas. Segundo o governo federal, a alíquota média sobre as carnes hoje é de 12,7%. Acima, portanto, dos 10,6% estimados na proposta de regulamentação da reforma.

Neste cenário, deduz-se que a tendência é de que o preço caia e não que suba, ao contrário do que têm dito setores da agroindústria que pressionam o Congresso Nacional e o governo pela isenção das carnes. Com a ressalva, claro, de que o valor final do produto depende também de outros fatores como oferta, demanda, preço da ração.

Pelo cálculo da equipe econômica e do Banco Mundial somente o impacto da isenção de todas as carnes, sem diferenciação, seria de 0,57%, elevando a alíquota final para 27,1%. Se isso se concretizar, todo mundo pagaria um valor agregado maior.

O raciocínio de representantes de setores do agro é diferente. Em nota divulgada no último sábado (6) a Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo) analisou que a nova tributação para as carnes fará os preços subirem.

A entidade lembrou que há 20 anos a carne já faz parte da cesta básica com alíquota zero para os tributos federais e que a maioria dos estados concede incentivos de ICMS porque reconhece a ‘essencialidade deste alimento’ e a necessidade de tornar o produto acessível especialmente para a população de baixa renda.

A Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) fez coro às críticas da Abrafrigo. A entidade que representa a avicultura e a suinocultura brasileiras divulgou um comunicado em que lamentou a decisão do grupo de trabalho da Câmara dos Deputados que, na semana passada, decidiu manter as carnes com isenção de 60%, como proposto pelo governo.

O presidente Lula chegou a defender a diferenciação, para efeito de tributação, entre cortes mais populares (músculo, acém, coxão mole) dos mais nobres, que ele chamou de ‘chiques’. Mas a Fazenda já explicou que, na prática, é impossível fiscalizar as carnes pelos cortes.

Para fiscalizar, a Receita segue uma classificação padrão que é definida pela espécie (bovino, caprino etc). Na desossa, nos frigoríficos, os bovinos são divididos em quatro partes, resultando nos quartos traseiros (onde fica a maioria dos cortes nobres) e dianteiros. Faz parte do anedotário de auditores que, às vezes, aparecem mais dianteiros do que traseiros, como se os animais fossem bípedes. Uma tentativa de driblar a lógica da anatomia dos bichos!

Na proposta dos relatores da Câmara nem a chamada ‘carne de segunda’, o suíno e o frango estarão na lista da cesta básica com alíquota zero de tributos. “Tomando por base de cálculo o quilo de cortes de frango no Estado de São Paulo, a estimativa imediata é de elevação de preços finais da indústria superior a 10%, como consequência direta do repasse da tributação”, diz um trecho do comunicado da ABPA.

Para atender à população de baixa renda, o governo tem a proposta de fazer um abatimento de 20% do tributo via cashback, mecanismo que devolve parte do imposto pago. Para este grupo, estimado em 73 milhões de pessoas com renda per capita de até meio salário mínimo, a alíquota seria de 8,5%.

A Abrafrigo reagiu a esta proposta com pessimismo e avaliou que ela “não terá alcance para atender a todas as classes de baixa renda”. E disse ter confiança que o Congresso vai incluir as carnes na Cesta Básica Nacional, garantindo o direito à segurança alimentar previsto na Constituição.

E é no meio deste estica e puxa que o projeto de lei complementar (PLP 68/2024) voltará à discussão esta semana na Câmara, onde ainda pode sofrer mudanças. Há pontos que talvez sejam incluídos no debate, como a defesa da isenção para a carne de frango e até a diferenciação entre carne in natura e processada.

A palavra final é do Senado, onde tudo começou e onde o projeto fará a última parada antes da votação. O que não é desejável é que a tão esperada reforma tributária seja desfigurada e que o dinheiro público seja distribuído, via isenção, igualmente para todo mundo, para quem precisa e para quem não precisa. A picanha, enfim, é só um símbolo na disputa de narrativas que podem colocar em risco o desejo de que o país alance maior justiça tributária e social.

 

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