COLUNA

Francisca Medeiros

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Um grão cheio de história

Em 2000 Mato Grosso assumiu a liderança nacional da produção de soja e, de lá para cá, só ampliou a distância para o segundo colocado, o Paraná. E como este grão se tornou o principal produto agrícola por aqui? E ele serve para quê? Só para alimentar o gado europeu, será?

A saga da soja é longa. Tem origem no leste da Ásia e lá se vão cinco mil anos desde que a planta rasteira selvagem chamou a atenção do homem. Em uma enciclopédia sobre ervas escrita por um imperador chinês, a soja aparecia como um entre cinco grãos sagrados. Os outros eram o arroz, o trigo, a cevada e o milheto. Largamente usado na tradicional medicina chinesa, também se tornou base da culinária oriental.

Alguns saltos no tempo são bem-vindos. Com as Grandes Navegações, no século XV, a planta chegou na Europa, mas para ornamentar jardins botânicos. Corta para quase 500 anos depois e o ocidente já está convencido do valor do grão, muito proteico, na alimentação, mas a cultura não ia tão bem em solos europeus.

Chega-se ao fim do século XIX, início do XX, e a soja já ganhou relevância nos Estados Unidos pelo teor de óleo do grão. Com o suporte da ciência, o país cria condições para o cultivo comercial de variedades mais produtivas neste quesito.

E, finalmente, o desembarque no Brasil. A Embrapa crava 1901 como o marco da introdução da soja no país com cultivos na Estação Agropecuária de Campinas, atual IAC (Instituto Agronômico de Campinas). As sementes chegaram primeiro às mãos de produtores paulistas e, anos depois, dos gaúchos. No final dos anos 1960 a soja entrava firme no sul do país como cultura de verão na sequência do trigo. Era também o momento em que o Brasil buscava ampliar a produção de suínos e aves, o que demandava matéria-prima para rações.

No cenário externo já havia uma indústria estruturada para extrair óleo do grão e a cultura ganhava status global. E por aqui, graças às pesquisas, a soja se “tropicaliza” e, a partir dos anos 1970, começou a avançar para latitudes mais baixas e chega ao cerrado brasileiro.

Para aportar no Centro-Oeste, os atrativos foram as terras amplas e baratas e os incentivos do governo. A consolidação veio a partir de 1980 com um modelo que incluía crédito rural subsidiado, correção e fertilização do solo e mecanização agrícola. Mato Grosso tornou-se, assim, a moradia para milhares de sulistas dispostos a investir no grão.

Em 2000, o estado cultivou 2,9 milhões de hectares de onde colheu 8,8 milhões de toneladas. Na safra atual foram semeados pouco mais de 21 milhões de hectares, com produção estimada de 93,6 milhões de toneladas. Os ganhos de produtividade são evidentes no período!

Como commodity em um modelo agroindustrial, a soja mobiliza muitos agentes e setores – profissionais de diferentes áreas, indústrias de sementes, insumos, tradings, máquinas, armazéns e transportadoras – e requer estradas, portos e ferrovias.

O PIB da cadeia produtiva da soja e do biodiesel representou 27% de todo o agronegócio nacional do ano passado, gerando 2,05 milhões de empregos. Em setembro o IBGE divulgou que entre os 15 municípios brasileiros mais ricos do agro, nove são de Mato Grosso, com Sorriso no topo.

E qual o destino de tanta soja? É comum ouvir opiniões ácidas sobre isso, com afirmativas de que a soja daqui serve para alimentar animais europeus e que pouco se aproveita dela no mercado interno. Fui em busca de algumas respostas.

O complexo soja inclui grão, farelo e óleo. Ano passado a exportação do grão in natura foi 61% da produção brasileira, segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove). E 39% foram para processamento industrial, dos quais 80% viraram farelo e 20% óleo. Do farelo, pouco mais da metade (52%) foram exportados e 48% ficaram para o consumo doméstico na forma de ração animal que alimenta bovinos, suínos, equinos, aves e PETs.

O grão tem na composição básica, em média, 40% de proteína, 35% de carboidratos, 20% de lipídios e 5% de minerais. É usado largamente na alimentação humana e animal, mas serve para muitas coisas mais.

Foco agora no óleo. No ano passado, a maior parte (74%) foi para o consumo interno – alimentação humana e biodiesel. E 26% foram enviados para o exterior.

O óleo entra na composição de gorduras hidrogenadas, maioneses, margarinas e ainda na fabricação de lubrificantes, tintas, solventes, plásticos e resinas. A lecitina é um emulsionante usado na fabricação de sorvetes, barras de cereais, salsichas e suplementos alimentares.

O farelo é muito usado na panificação e o leite de soja é uma alternativa não láctea nas dietas. Da polpa se faz a Proteína Texturizada da Soja (PTS), que é a base de vários pratos. A culinária oriental, já tão difundida no Brasil, usa muita soja na forma de brotos, molhos, tofu, missô.

Na área da saúde se conhece os efeitos favoráveis do uso da isoflavona, que é obtida do gérmen da soja, sobre os sintomas desagradáveis do climatério. Tem sido uma opção na terapêutica alternativa para mulheres na menopausa.

Os subprodutos da soja fornecem ainda matéria-prima para as indústrias farmacêutica e de cosméticos, fibras, papel, borrachas, pneus e até na fabricação de placas de grama artificial. Na chamada “química verde” é insumo renovável que diminui o uso de combustíveis fósseis.

Do grão ancestral e sagrado na China, a soja tornou-se esta commodity que conhecemos. E o engenho humano tem descoberto um grão multitarefa, com usos que vão muito além do óbvio.

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