COLUNA

Regina Alvarez

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Análises e informações sobre o dia a dia da economia e como ela afeta o seu bolso.

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Verdade inconveniente 

Recorro ao título de um documentário famoso sobre o aquecimento global, protagonizado por Al Gore, ex-vice e candidato à presidência dos Estados Unidos, para falar de um outro problema sério que nos afeta e compromete o desenvolvimento do país.

Os ricos estão cada vez mais ricos e o fosso da desigualdade está aumentando, quando o correto e desejável seria o oposto em um país tão desigual como o Brasil.

Estudo recente do economista e pesquisador Sérgio Gobetti, publicado no Observatório de Política Fiscal do Ibre/FGV e replicado na mídia, nos atualiza sobre uma verdade inconveniente que preocupa ou deveria preocupar o governo federal e o Congresso.

A partir da coleta de dados da Receita Federal e do IBGE, o estudo mostra o crescimento da renda dos muito ricos a um ritmo duas a três vezes maior do que a média registrada por 95% dos brasileiros, no período entre 2017 e 2022.

O autor conclui que, “ao que tudo indica, a confirmar-se por estudos complementares”, atingiu-se nesse período um novo recorde histórico no nível de concentração de renda no topo da pirâmide, depois de uma década de relativa estabilidade da desigualdade.

Enquanto 95% da população  adulta teve um crescimento nominal médio de 33% em sua renda nesses cinco anos, período marcado pela pandemia, o crescimento da renda dos muito ricos chegou a 96%, se considerarmos o grupo mais seleto: os 15 mil milionários que compõe o 0,01% mais rico do país.

O estudo nos traz um conjunto de informações que mostram com clareza o aumento da concentração de renda no topo da pirâmide.E aponta as possíveis razões para que os muito ricos estejam ficando ainda mais ricos, enquanto o restante da população, incluindo a classe média, luta contra a corrente para manter minimamente seu poder de compra.

Descontada a inflação acumulada entre 2017 e 2022, de 31,4%, o aumento real de renda entre os mais ricos chegou a 49%, enquanto entre os mais pobres e a classe média foi de apenas 1,5% em média.

Agora vejamos as possíveis razões para isso ter acontecido.

Gobetti classificou a renda dos estratos mais ricos por tipo de rendimento, separando os do trabalho e do capital. E concluiu que o aumento da renda dessa elite se explica sobretudo pelos ganhos provenientes de lucros e dividendos distribuídos, hoje isentos de tributação. Tem ainda um segundo componente que “pouca atenção tem despertado nas análises”, destaca o pesquisador. Ele se refere à renda da atividade rural, cuja maior parcela também está isenta de tributos.

Em 2022, exemplifica,  dos R$ 147 bilhões de renda proveniente da atividade rural, R$ 101 bilhões ficaram isentos de tributos e “nada menos do que 42% desse montante foi parar no bolso do milésimo mais rico da população”, enfatiza.

Em uma análise complementar, o economista mostra como cresceram os rendimentos dos mais ricos em cada unidade da federação e também quais estados se destacam no topo de rendimentos. Não por acaso são os estados cuja principal atividade econômica é o agronegócio.

Nessa análise, foi considerada a parcela de 0,1% da população que está no topo da pirâmide de rendimentos, ou seja, o milésimo mais rico. No Brasil, para estar nesse grupo, é necessário ter uma renda de pelo menos R$ 140 mil mensais.

Em média, a renda desse grupo cresceu 42% em valores reais (acima da inflação), mas em Mato Grosso o crescimento real dos rendimentos dessa elite chegou a 117%, seguido por Mato Grosso do Sul (99%), Amazonas (84%) e Tocantins (78%).

As altíssimas taxas de enriquecimento verificadas em vários estados do Norte e Centro-Oeste oferecem, segundo o pesquisador, um indicativo de onde a desigualdade poderia estar crescendo mais.

Como a pesquisa foi baseada em dados do Imposto de Renda, não foi possível calcular a desigualdade considerando os rendimentos mais baixos, que são isentos do imposto. Gobetti fez então um exercício para aferir a disparidade entre os declarantes do IR que estão entre os 20% ou 25% mais ricos da população adulta. Para fazer isso, foram adotados os seguintes recortes: foi considerada a renda média dos 38 mil declarantes mais ricos (0,1% da população) e comparada com a renda média das 3,8 milhões de pessoas que estão no “miolo” da distribuição dos declarantes.

Esse “miolo” pode ser considerado uma espécie de representação da classe média, explica o pesquisador, Recebe uma renda média mensal que, em 2022, variou de R$ 4,2 mil no Maranhão a R$ 7,7 mil no Distrito Federal, com uma média nacional de R$ 4,8 mil. Já os mais ricos apresentaram uma renda média mensal que variou de R$ 300 mil no Amapá a R$ 1,6 milhão em Mato Grosso e São Paulo.

Essa comparação mostrou os estados de Mato Grosso e de São Paulo com a maior desigualdade, seguidos por Paraná, Mato Grosso do Sul e Goiás.

Em MT, a renda da parcela mais rica da população (aquele 0,1%) corresponde a 364 vezes a renda da classe média. O estado está no topo da lista de unidades da federação, com a maior diferença entre os rendimentos desses dois estratos da população.

A análise de todos esses dados levou o pesquisador a concluir que “há fortes evidências de que a concentração de renda no topo cresceu significativamente no período recente, destoando do ocorrido na década anterior”. E , ao mesmo tempo,  indica que o crescimento da renda na parcela mais rica da população apresenta fortes diferenças regionais, tendo sido mais acentuado em estados cuja economia é impulsionada pelo agronegócio.

Um aspecto ainda mais preocupante, enfatizado pelo autor do estudo, é que tudo isso ocorreu num período em que a renda média do brasileiro apresentou uma das piores performances das últimas décadas, dada a estagnação do valor real dos salários e de outros indicadores.

Gobetti alerta sobre o aumento da concentração de renda no Brasil na mão dos super ricos. Aponta as razões que mais contribuem para isso – os rendimentos isentos ou subtributados que se destacam como fonte de remuneração principal nesse segmento da população – e enfatiza a necessidade de revisão das isenções tributárias atualmente concedidas pela legislação e que beneficiam especialmente os mais ricos.

Eu lembro que já se encontram no Congresso, aguardando aprovação, propostas nesse sentido. Como, por exemplo, a reformulação do Imposto de Renda, uma parte importante da reforma tributária que ficou para 2024. O objetivo é exatamente corrigir distorções que permitem que pessoas com renda mais alta paguem menos tributos do que outros contribuintes que têm renda menor.

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