Preço da carne dispara nos EUA e tarifaço tem seu peso
Fotos de etiquetas de preço de carne de boi em supermercados norte-americanos ilustraram várias reportagens nos últimos dias no Brasil. Elas mostravam valores inéditos e lá no alto, o equivalente a 150 reais o quilo. E não é bife do nobre e carésimo wagyu; é a carne comum usada para fazer os tradicionais bolos de carne ou hambúrgueres do dia a dia dos americanos. E parte desta escalada de preço pode ser creditada ao tarifaço imposto pelo presidente Donald Trump à carne brasileira.
É verdade que a pecuária de corte norte-americana vem de percalço em percalço, mas Trump adicionou mais um ingrediente nas dificuldades ao impor uma taxa de 50% à carne brasileira para entrar no país. Nos últimos anos, a atividade enfrentou secas extremas, o rebanho está encolhendo, mais vacas foram para o abate e a recomposição dos plantéis vai demorar. E, desde maio, estão em vigor restrições ao México por causa de uma doença que ameaça os rebanhos. E, em razão do tarifaço, o Brasil, que era o principal vendedor para o país, deixou de fazer entregas e não tem perspectiva de retomar o fluxo normal.
Os preços vêm subindo mês a mês e, em julho, antes da entrada em vigor da sobretaxa ao Brasil, mas com as vendas já refreadas por causa das indefinições da situação, o aumento foi de 3,3% ao mês. Conforme o Bureau of Labor Statistics (BLS), o quilo da carne moída chegou a US$ 13,78 no mês; enquanto um ano antes o preço médio era de US$ 12,06. A carne para churrasco, o steak, também subiu e chegou no mês passado a US$ 26,18 (quase R$ 150 o quilo!).
Com a entrada em vigor da sobretaxa no dia 6 de agosto, as previsões de comércio entre os dois países foram revisadas para baixo. No ano passado, o Brasil vendeu cerca de 220 mil toneladas de carne bovina para os EUA, o que correspondeu a 17% das exportações brasileiras no ano. Até junho deste ano, os EUA importaram 478 mil toneladas e, deste total, o Brasil respondeu por 147 mil toneladas, cerca de 31% do total importado no período, segundo a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec). As estimativas iniciais era vender 400 mil toneladas neste ano.
Um relatório recente do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) indica que em 2026 as importações do Brasil podem encolher 7,5% e o contraponto é que a produção doméstica americana deve continuar a cair, sem redução da demanda. Portanto, os preços não deverão ceder.
Do ponto de vista brasileiro, o mercado americano é muito importante, mas a dependência das exportações gerais para aquele país vem diminuindo porque os produtos brasileiros chegam hoje a muito mais destinos no mundo. Na década de 1980, 24% de todas as vendas brasileiras para o exterior iam para os EUA, hoje são 12%. E o tarifaço de Donald Trump tem potencial de afetar 3,3% das exportações brasileiras, segundo cálculos do governo federal. Os setores mais afetados são a indústria de máquinas, equipamentos, calçados e têxtil e, no agro, são as carnes, o café e as frutas.
Muitos analistas acreditam que o tarifaço pode se tornar um tiro no pé dos americanos. Na semana passada, o professor e economista da Universidade de Harvard, Dani Rodrik, criticou a política de Trump de reconstruir a indústria americana com o aumento das tarifas de importação. Durante um evento realizado pelo BNDES no Rio de Janeiro, ele disse que essas taxações não incentivam a economia americana, nem garantem melhores empregos para os próprios americanos. “Há uma boa chance de que, no final das contas, isso seja autodestrutivo”, analisou, conforme relatado por uma reportagem da Agência Brasil.
Rodrik avaliou que o aumento da arrecadação e do lucro das empresas norte-americanas não terá, por si só, o poder de melhorar a qualidade dos empregos e dos salários dos americanos. E questionou se o aumento do lucro de alguns segmentos significa que as empresas vão, automaticamente, fazer reinvestimentos e promover inovação. “Elas necessariamente investem mais? Elas investem mais em seus trabalhadores? Elas necessariamente contratam mais trabalhadores? Elas tentam ser mais competitivas? Todas essas coisas boas não estão diretamente ligadas ao fato de que, agora, elas estão ganhando mais dinheiro, porque você também pode reverter os lucros maiores aos gerentes ou acionistas”, disse.
O jogo de Trump está embaralhando as regras comerciais mundiais quando usa ferramentas como a taxação, que normalmente é de uso temporário, para aumentar a arrecadação e o poderio econômico. Isso sem falar dos fins declaradamente político-ideológicos de fortalecimento da ultra-direita mundo afora, como é o caso do embate com o Brasil.
Os interesses genuínos dos norte-americanos não parecem ser, de fato, a prioridade do presidente Trump. O exemplo é claro quando ele sobretaxa a carne brasileira e penaliza todos no seu país a pagar mais pela comida diante, inclusive, das dificuldades de repor a carne que deixa de chegar do Brasil.
Os produtores de soja americanos também já pediram socorro ao governo porque perderam espaço nas vendas do grão para a China, que preferiu fechar mais contratos com os brasileiros.
Para o Brasil alguns dos efeitos colaterais do tarifaço, mais à frente, provavelmente será o fortalecimento dos acordos comerciais com a União Europeia, a Ásia, os vizinhos da América Latina, sem falar do continente africano. Ou seja, pode-se abrir o leque para uma agenda de oportunidades. E do ponto de vista político, o melhor dos desejos é que, ao fim deste episódio, os brasileiros estejam mais convencidos da importância do multilateralismo, do respeito a todos os povos e do valor inegociável que têm a soberania nacional e a democracia.
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