A ameaça de Trump, a resposta do Brasil e a conta para MT
A desculpa (descabida) é política, o impacto é econômico e a resposta deve ser no campo da diplomacia. Em linhas gerais estas são as opiniões lógicas sobre a guerra aberta por Donald Trump contra boa parte do mundo, agora elegendo o Brasil como o principal inimigo a ser subjugado.
No ano passado os Estados Unidos foram o segundo parceiro comercial do Brasil – foram vendidos US$ 40,3 bilhões, cerca de 12% de tudo o que foi colocado no exterior. As importações somaram US$ 40,6 bilhões ou 15,5% das compras internacionais. Balança favorável aos americanos.
Olhando para Mato Grosso, a situação é semelhante. A relação comercial entre os dois mercados remonta a 1997 e, desde então, o estado exportou US$ 7,6 milhões e importou o dobro, US$ 15,6 milhões.
Caso se confirme a ameaça de sobretaxar em 50% os produtos brasileiros a partir de agosto, o maior impacto no estado será na indústria. Saem daqui principalmente carnes, ouro, gordura animal, gelatinas e madeira beneficiada. E entram colheitadeiras, tratores, aeronaves, fertilizantes, insumos industriais diversos, como componentes eletrônicos e equipamentos médicos. Ano passado os Estados Unidos foram o 4º maior fornecedor de produtos para Mato Grosso, a maioria tecnológicos e de valor agregado.
Todas as universidades públicas mato-grossenses fazem parte de um acordo para ampliar o intercâmbio de conhecimento com instituições americanas. E há acordos de cooperação mútua no comércio, saúde, tecnologia, meio ambiente e agricultura, entre outros.
Saindo das relações civilizadas e da (falta de) motivação comercial, resta a questão político-ideológica que ficou explícita na carta de Trump ao presidente Lula. Numa sequência nonsense, ele chantageia o governo democraticamente eleito de um país independente e soberano.
“A forma como o Brasil tratou o ex-presidente Bolsonaro….é uma vergonha internacional”.
“Este julgamento não deveria estar acontecendo. É uma caça às bruxas que deve acabar IMEDIATAMENTE!” (assim mesmo, em maiúscula e com exclamação).
“Nosso relacionamento tem estado, infelizmente, longe de ser recíproco”.
“Se por algum motivo você decidir aumentar suas tarifas, então, qualquer que seja o número que você escolher para aumentá-las, será adicionado aos 50% que cobramos”.
Ao presidente americano não faz diferença que a investigação contra o ex-presidente seja conduzida, dentro da lei, pelo Judiciário brasileiro, que é um poder independente que atua em harmonia com o Executivo e o Legislativo.
Trump parece querer ressuscitar projetos de poder ilegítimos do passado, como o apoio irrestrito americano à Operação Condor no Cone Sul. Nos anos 1970 a aliança entre as ditaduras do Brasil, Argentina, Bolívia, Chile, Paraguai e Uruguai atuou em rede na repressão aos opositores, cometendo violações aos direitos humanos. E a americana CIA teve acesso a tudo, inclusive forneceu equipamentos para espionar as comunicações nesses países.
Em anos bem recentes, o governo brasileiro voltou a flertar com uma relação de subserviência aos EUA. Um dos momentos simbólicos foi em 2019 quando o então presidente Jair Bolsonaro prestou continência à bandeira americana em uma cerimônia no Texas e arrematou o discurso com o “Brasil e Estados Unidos acima de tudo”.
Agora, para enfrentar o imbróglio do tarifaço, volta-se a falar da Lei da Reciprocidade, tida por muitos como a última (e legal) medida, caso a decisão de Trump não seja revista por meios diplomáticos.
Vale lembrar que a reciprocidade já foi usada no episódio que ficou conhecido como a “diplomacia dos sapatos”. Era 2002 e os EUA viviam o trauma pós 11 de Setembro, com vigilância cerrada na entrada de pessoas no país. Em uma missão oficial aos EUA, o chanceler brasileiro Celso Lafer chegou a ser obrigado a tirar os sapatos três vezes no trajeto entre aeroportos e inspeções.
Um senão na medida é que o governo americano elegeu entre os “chanceleres descalços” diplomatas de alguns países, como Rússia, Chile e Brasil; os ingleses e canadenses, por exemplo, não passavam por constrangimento nenhum.
E, para os cidadãos em geral, a partir de janeiro de 2024, a título de se prevenir de atos terroristas, o governo americano passou a fotografar e coletar as impressões digitais de quem chegava ao país. Regra, porém, que valia apenas para países de quase toda a América Latina, África, Oriente Médio e Ásia.
Foi aí que, baseado no direito internacional público, o então procurador da República em Mato Grosso, José Pedro Taques, entrou com uma ação em que usou o princípio da reciprocidade para exigir que o mesmo tratamento fosse dado aos americanos quando entrassem no Brasil. O juiz federal Julier Sebastião da Silva atendeu e determinou à União a adoção desse tipo de controle.
Voltando ao desafio presente, no artigo “Programa de proteção de ditadores de Trump”, o economista americano Paul Krugman, Nobel de 2008, observou que as tarifas não podem servir para intimidar ou chantagear outros países, classificou a sobretaxa de perversa e megalomaníaca e defendeu que o Brasil use, em resposta, o critério de reciprocidade.
Enfim, as cartas que estão na mesa são claras quanto à motivação e as saídas não são óbvias. A economia nacional e o livre comércio precisam ser defendidos e, no meio de tudo, há questões caras como dignidade, altivez e soberania nacional.
Acredito que na nossa sociedade a maioria sabe que títulos como Vale Tudo, Semideus e O Dono do Mundo ficam apenas para os folhetins de ficção na tevê e que repele qualquer ideia de autoritarismo ou de servidão entre povos em que a liberdade e o respeito devem ser sempre os valores máximos.
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